Tudo começou com uma daquelas estranhas notícias que circulam pelas redes sociais e se tornam virais mundiais, pessoas de países estrangeiros cometendo suicídios violentos geralmente acompanhados de ataques a outras ao redor, um homem arranca os lábios e nariz do rosto do bom samaritano que havia dado carona com as próprias mãos e depois se mata com uma serra que estava na carroceria. Uma mãe enterra seus filhos vivos no jardim de casa e depois se corta com pedaços de vidro  de pratos quebrados, sangrando até a morte. Rapidamente notícias assim deixam de ser mera curiosidade e se tornam fatos assombrosos, por todo o mundo as pessoas começam a atacar uma as outras e depois cometer suicídio. Autoimolação. Autodestruição. Haraquiri. 

Ninguém sabia como chamar aquela onda de mortes. Infindáveis teorias espalhavam o medo e a histeria através do globo e o consenso geral era de algum tipo de visão fazia as pessoas enlouquecerem. Algo tão maligno cuja existência desafiava os limites da compreensão humana caminhava pela Terra, o simples vislumbre de sua horrenda forma rasgava o frágil tecido da sanidade, libertando uma fera interior que não respirava desde os primórdios do homem. O monstro era o próprio ser humano. E foi assim que o mundo mergulhou na escuridão.

E foi assim que o caos que instalou. Os cadáveres começaram a se empilhar nas ruas, mutilados, quebrados, despedaçados e desfigurados, resultados das mais horríveis e dolorosas maneiras de morrer. Nenhuma nação foi poupada. Ninguém foi poupado. O medo aos poucos corroeu os pilares da sociedade, não se sabia que visão era aquela que enlouquecia as pessoas, poderia ser qualquer coisa, sair com os olhos vendados era uma opção, a insegurança reinava e deixar o conforto de casa sem enxergar era tão ruim quanto ver, animais e seres humanos insanos estavam em cada esquina. Foi assim que o mundo acabou.

Essa é a premissa de Caixa de Pássaros, romance de estreia de Josh Malerman, um livro que abusa do horror psicológico para provocar calafrios no leitor. De todos os medos que perturbam a alma humana, o medo do desconhecido é o mais forte, no escuro cada sombra se transforma em uma monstruosidade diferente e cada som adquire uma qualidade fantasmagórica. Talvez por isso a morte cause tanto terror em algumas pessoas, não é reconfortante saber que se morrerá e irá para o paraíso? Mas e se isso não acontecer? A dúvida do que nos espera no final da clareira é tão angustiante quanto os estertores finais da morte. 

O autor flerta descaradamente com os mesmos preceitos que regem os Mitos de Cthulhu de Lovecraft e o tão afamado Rei de Amarelo de Chambers, além de uma sútil influência de Stephen King, mestre em insinuar criaturas nas sombras da escuridão. A narrativa é extremamente claustrofóbica, a maneira insidiosa com que penetra na mente do leitor é angustiante, algumas cenas são tão cheias de tensão que se tornam insuportavelmente deliciosas e horríveis de se ler. O horror psicológico é bem trabalhado, há um clima pesado e melancólico que acompanha a trama, bastante similar ao encontrado em A Estrada de Cormac McCarthy. 

A história segue duas vertentes, a primeira acompanha os dias atuais da protagonista e seu êxodo através de um mundo escuro e desolado em busca de abrigo para seus filhos, a segunda narra os últimos dias de sua vida normal bem como os acontecimentos que a levaram até sua fuga atual. A escrita de Josh Malerman é bastante atual e direta, sem palavras desnecessárias consegue pintar o quadro geral de caos e dar personalidade aos personagens sem perder o ritmo da narrativa. A dosagem  exata de uma mistura perfeita entre o horror psicológico com um fundo apocalíptico. 

   
  Caixa de Pássaros (2014) | Ficha Técnica 
   Título original: Bird Box (2014)
   Autor: Josh Malerman
   Tradutor: Carolina Selvatici
   Editora: Intrínseca
   Páginas: 272
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)