
Incrível! Fantástico! Extraordinário! foi um programa radiofônico que estreou na rádio Tupi em 21 de outubro de 1947, criado por Henrique Foréis Domingues, o Almirante, apresentava dramatizações de causos de assombração e de relatos sobrenaturais e inexplicáveis enviados por ouvintes de todo o Brasil. Foi um programa tão popular que continuou no ar até 1958 e se expandiu para outras mídias como o cinema e a literatura. A primeira encarnação literária foi publicada pelo próprio Almirante através da editora 'Edições O Cruzeiro' em 1951 e é considerada extremamente rara nos dias de hoje.
A segunda coletânea de causos do programa foi publicada em 1989 pela Francisco Alves com o título de 'Incrível! Fantástico! Extraordinário!: Outros casos verídicos de terror e assombração. A edição conta com um prefácio de Sérgio Cabral, contextualizando obra e vida do Almirante, além de diversas fotos e uma reprodução de duas páginas de um roteiro das radiofonizações. Para a seleção dos causos foram lidos todos os roteiros da série com a ideia de realizar uma amostragem representativa de todos os tipos de histórias que apareciam no programa, depois foi feita a adaptação dos roteiros para narrativa literária, e excluídos os nomes e endereços dos autores dos relatos, que no rádio eram revelados para dar mais veracidade às histórias. O resultado é uma pequena coleção de causos, sendo a maioria contos de fantasmas, ambientados nas mais diversas regiões do Brasil, desde capitais até pequenas cidades do interior.
O estilo das histórias é típico dos causos brasileiros de terror, com histórias curtas, diretas e arrepiantes. Muitos relatos envolvem pessoas que morreram com alguma pendência em vida, e suas aparições fantasmagóricas surgem para fazer uma última visita a conhecidos e familiares com quem tinham fortes laços afetivos ou com a intenção de cumprir uma promessa, como é o caso de "A Palavra Assumida". No interior de Minas Gerais, em um distante outubro de 1949, dois amigos se encontram no centro da cidade e um deles cobra do outro a promessa de uma visita à sua casa, tantas vezes reiterada em encontros passados, mas nunca cumprida. O tal amigo jura que dessa vez irá visitá-lo e o encontro é marcado para domingo. O que ninguém esperava é que durante a semana esse amigo sofresse um acidente e morresse, e menos ainda que quando chegasse domingo à noite, uma aparição surgisse para cumprir com sua palavra.
Os causos de relatos inexplicáveis envolvem sonhos premonitórios e visões de pessoas que por conta deles acabam escapando de algum destino fatídico ou preveem a morte de alguém, ou até mesmo sua própria morte, como é o exemplo de "O Enterro". Em um povoado de Pernambuco, no final da década de 1910, uma jovem vê seu pai chegar tarde em casa e extremamente assustado. Ele diz que estava voltando do trabalho como em qualquer outra noite, quando viu a comoção da população diante de um enterro, sua curiosidade o instigou a adentrar o cemitério para ver se quem havia falecido era algum conhecido. Quando consegue se aproximar para ver o rosto do cadáver tem uma surpresa arrepiante: ele está participando do próprio enterro! No dia seguinte ele recebe a notícia de que tinha alguém de tocaia para matá-lo e que a tragédia só não se concretizou graças a sua parada no cemitério.
As histórias sobrenaturais são arrepiantes e muitas refletem um recorte social e cultural do lugar que se originam, servindo muitas vezes como narrativas de memória de violências históricas que deixaram uma marca no imaginário popular. "O Padre Sinistro" remonta a 1940 em uma cidade do interior de Pernambuco e fala do casamento de uma mulher com um senhor de engenho. A união mal dura seis meses quando o homem é assassinado a facadas por um colono. O fato ganha contornos ainda mais dramáticos quando se descobre que ela está grávida. O tempo passa, a criança nasce e a mãe encontra conforto na companhia do filho, preferindo permanecer viúva a se envolver numa nova relação. Numa noite de março ela é acordada pelos gritos angustiados do filho. O encontra encolhido na cama, dizendo que está vendo uma estranha sombra no canto do quarto, a figura de um padre assustador ladeado por um cão que solta fogo pela boca e olhos. A criança tem certeza de que o padre veio buscá-lo.
A mulher não consegue ver nada e tenta acalmar a criança. Quando o acontecido se repete nas noites seguintes, acaba buscando ajuda do vigário local. Durante a visita à casa, o religioso faz várias orações enquanto asperge água em todos os cômodos, deixando uma sensação de que nada mais aconteceria. Eis que na mesma noite a assombração retorna mais terrível e assustadora. A mãe reúne coragem e confronta a aparição que só o menino via. Para seu horror, escuta uma voz áspera saindo das sombras do quarto que se revela ser de um padre que viveu na Paraíba e cometeu vários pecados e que agora é acompanhado por um demônio que irá arrastá-lo para o inferno a menos que consiga levar sete almas inocentes para o céu. A mulher pede para que ele os deixe em paz e promete mandar rezar sete missas em intenção à sua alma.
No dia seguinte ela começa a cumprir sua promessa e manda rezar as missas. Os dias se passam e a paz volta a reinar. Tudo parecia ter acabado, até que duas semanas depois, o menino misteriosamente morre, e todos passam a acreditar que o padre sinistro veio buscar sua alma. Um dos pontos que me chamou a atenção nessa história foi a ideia presente no imaginário cristão de que uma família gerenciada por uma mãe solteira é mais suscetível a influência maligna e demoníaca, elemento que também aparece, anos depois, no O Exorcista de William Peter Blatty. Mas nem todas as aparições são más, como o relato de "O Bom Médico" ilustra. Em 1939, um estudante de medicina da cidade de Salvador se vê diante do pedido desesperado de um homem para que salve sua filhinha. Mesmo receoso por não ser formado, decide ajudar e tenta várias terapêuticas diferentes sem sucesso, a criança piora a cada dia. Certa noite uma voz fantasmagórica surge e lhe passa uma receita para curar a doença da menina. O jovem segue as indicações e a criança é curada em poucas semanas.
Isso é só uma pequena amostra dos quarenta e quatro causos que compõe esta edição de o Incrível! Fantástico! Extraordinário!, são relatos divertidos, curiosos, bizarros e arrepiantes. Além de uma ótima leitura, o livro também funciona como um documento histórico que mostra que no Brasil sempre existiu uma tradição popular de histórias macabras e insólitas. Muito antes de Rod Serling sonhar em transportar seus espectadores para além da imaginação, o grande e inesquecível Almirante já levava as assombrações dos rincões mais distantes do país para as casas e rádios dos brasileiros. Com uma rápida pesquisa é bem fácil encontrar os antigos programas de rádio na íntegra online, um pedaço único da nossa tradição de terror que sobrevive e resiste, mesmo desconhecido do grande público.
Autor: Henrique Foréis Domingues, "Almirante"
Editora: Francisco Alves
Páginas: 204 páginas
Compre: Amazon
Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)
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