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Resenha | A Maldição de Joel Delaney de Ramona Stewart



O Exorcista de William Peter Blatty é uma das poucas histórias de terror cuja simples publicação deixou cicatrizes tão profundas no imaginário popular que alterou profundamente a dinâmica de um subgênero, influenciando quase todas as obras posteriores que ousaram adentrar seu domínio temático, com elementos que vão desde a abordagem e apresentação da ritualística do exorcismo até estereótipos de personagens, tecendo uma moldura que impactou a forma como várias gerações compreendiam seus pesadelos e medos acerca da possessão. 

A Maldição de Joel Delaney de Ramona Stewart é um romance possessão que foi publicado um ano antes de O Exorcista, o que o torna não apenas uma pequena pérola esquecida dentro do subgênero, mas também faz com que sua história não siga os tropos e vícios comuns dos livros de possessão pós-Exorcista, a começar pelo seu próprio protagonista, que não é possuído por uma entidade demoníaca e sim pelo espírito de um serial killer porto-riquenho.

A metáfora que envolve a possessão de Joel Delaney está profundamente enraizada nas ansiedades americanas com relação a imigração latina, não somente pela ocupação do espaço físico, mas também por uma ocupação de ordem espiritual e intelectual, ancorando essa tensão social nas formas de exploração dos imigrantes porto-riquenhos pela classe média branca. É uma leitura que faz uma dupla interessante com o premiado 'No Limiar do Inferno' de Gabino Iglesias, que crítica e descontrói as representações racistas e preconceituosas acerca da Santeria, um dos elementos que permeia o sobrenatural nessa história. Mas diminuir o livro de Ramona Stewart a apenas essa questão seria desonestidade, porque a obra também é sobre uma mãe divorciada do final dos anos sessenta que enfrenta a falta de comiseração de uma sociedade cujas figuras de poder são majoritariamente masculinas e que não dão créditos a seus medos.

A história é narrada por Norah Benson, uma escritora de livros infantis divorciada que vive em Manhattan com seus dois filhos e uma empregada porto-riquenha, sobre como o horror sobrenatural se imiscuiu em sua vida conturbada através de seu irmão, Joel Delaney. Esse pequeno parágrafo sumariza a complexa camada de conflitos existentes na trama, Norah é corroída por um sentimento de culpa por abandonar seu irmão com um pai problemático para se casar, um relacionamento que não deu certo e a afetou tanto psicológica como socialmente. 

Nesse contexto ela conta com a ajuda de uma empregada, Veronica, que é essencial na manutenção de uma rotina diária. A tensão se inicia nessa concepção, pois ao mesmo tempo que Norah permite que uma porto-riquenha tenha acesso as intimidades de sua vida, ela é profundamente temerosa com relação a invasão estrangeira de Nova York. Suas ansiedades se intensificam quando Joel reaparece vivendo num apartamento decadente em meio ao subúrbio de imigrantes. Um universo que ela vai ser obrigada a mergulhar para entender o motivo de seu irmão estar agindo de forma tão estranha e errática.

A Maldição de Joel Delaney oferece uma narrativa complexa e cheia de nuances, alguns dos quais inseridos de forma inconsciente, que suscita discussões acerca de assuntos que permeiam a sociedade até os dias de hoje, como o choque cultural, a exploração de imigrantes, a misoginia e o medo e a demonização do 'outro estrangeiro'. A trama segue os moldes das histórias de terror da época, com um início lento focado na descrição de normalidade doméstica, lentamente ganhando força e suspense conforme o sobrenatural invade o cotidiano. Para além disso é uma boa história de terror cheia de mistérios e reviravoltas até a última página.

   
   A Maldição de Joel Delaney (1976) | Ficha Técnica 
   Título original: The Possession of Joel Delaney (1970)
   Autora: Ramona Stewart
   Tradução: Milton Persson
   Editora: Círculo do Livro
   Páginas: 231 páginas
   Compre: ---
   Nota:☠☠☠☠(7/10 Caveiras)

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2 Comentários

  1. Otima resenha conheci o blog agora e ja estou gostando bastante. Parabens pelo trabalho.

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  2. Amo esse livro como amo o filme, que conta sobre uma possessão real, sem caricatura, como os espiritualistas a descrevem. Nesse sentido, Ramona fez um trabalho irretocável, verossímil, e com um importante fundo de critica social no enredo, levando em conta como os porto riquenhos eram tratados pela elite de Nova Iorque. Como uma resenha diz, um pérola esquecida, infelizmente.

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