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Resenha | Medos Infantis de Thaís Messora


O mundo é um lugar assustador. Essa é uma verdade incontestável que aprendemos ainda na infância, uma época em que a imaginação tece horrores vívidos, muitas vezes a partir de situações comuns que são desconhecidas para aquela mente em formação, primeiros contatos que alimentam safras de pesadelos angustiantes. Cada sombra escura à noite parece adquirir contornos monstruosos e todo barulho estranho que interrompe o silêncio que antecede o sono parece ser o prenúncio do ataque de criaturas arrepiantes, além da compreensão da mente adulta.

Os medos que nos assombram quando crianças podem nos acompanhar por toda a vida, seja em forma de traumas ou fobias, surgindo não apenas de uma crença ou suposto contato com o sobrenatural, mas também de horrores do cotidiano, da vida em sociedade. É a amarração perfeita em camadas intrínsecas destes horrores que advém da interseção entre o fantástico e o real que marca o ritmo do terror presente nas histórias da coletânea Medos Infantis de Thaís Messora.

Com uma escrita ágil e habilidosa, a autora demonstra uma capacidade extraordinária para  narração a partir da perspectiva infantil, refletida em um texto que contrasta a inocência e a ingenuidade na descrição de horrores explícitos e implícitos. É o caso de "Os Bonecos do Papai" onde uma garotinha, cuja mãe está desaparecida, precisa encarar o comportamento errático de seu pai e sua estranha fixação por bonecos assustadores. Com um mistério instigante, a trama explora medo que as crianças têm do abandono, adicionando aos poucos um elemento sobrenatural que subverte o tema em uma reviravolta final arrepiante. E se aqueles que deveriam te proteger ultrapassam a linha da sanidade?

Em "Não Deixe as Crianças Sozinhas" a voz narrativa muda para a de uma mãe solteira e sua preocupação com os dois filhos, de um lado a necessidade de trabalhar o dia todo e do outro o medo e a culpa por deixá-los sozinhos, sentimentos amplificados com a notícia do desaparecimento de uma garotinha na região. Insira também o medo advindo da falta de segurança que uma mulher que precisa voltar para casa à noite sozinha enfrenta todos os dias e você tem o ambiente de tensão claustrofóbica em que se inicia a história. 

Thaís Messora tem uma escrita direta que é extremamente eficiente ao romper com delicadeza o véu que separa a realidade do sobrenatural em sua narrativa, essa suavidade torna a leitura arrepiante, pois de um momento para outro, a descrição de um ambiente familiar e acolhedor ganha contornos assustadores e o horror passa a espreitar logo no próximo parágrafo.  É desta forma que a mãe do conto anterior, ao realizar uma tarefa comum do seu dia a dia, descobre que o mal que tanto teme e a espreita lá fora, também está profundamente arraigado dentro de seu próprio lar. 

Fechando a coletânea, "Meninos São Assim Mesmo"  se utiliza do clássico tema da exploração de uma casa assombrada para dissecar as manifestações do machismo estrutural na sociedade, a partir de diversas situações de violência física e psicológica experienciadas pela jovem narradora em suas interações com meninos, normalizadas pelos discursos dos próprios adultos com que convive que se utilizam da frase título. É um ótimo exemplo de como uma história sobrenatural pode ser utilizada para sustentar uma mensagem social inserida em um texto impecável, que ao mesmo tempo que faz o leitor pensar sobre uma questão importante, oferece uma leitura instigante e surpreendente. 

Medos Infantis é uma coletânea que oferece ao leitor um passeio inquietante pelo território familiar dos medos que nos assustaram em nossa infância, são três contos afiados e cheios de tensão que mesclam temores reais e sobrenaturais em histórias surpreendentes e arrepiantes. A dose de terror perfeita para uma tarde de leitura. 


  
Medos Infantis (2020) | Ficha Técnica
 
   Autora: Thaís Messora
   Editora: Corvus
   Páginas: 29 páginas
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)

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