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Entrevista com Jorge Alexandre Moreira, autor de Escuridão, Parada Rápida e Numezu


Iniciando uma série de entrevistas com autores nacionais, dissecando suas obras e inspirações, como uma espécie de adendo à leitura de seus livros que possibilitará ao leitor uma compreensão maior tanto de seu conteúdo, como dos próprios autores. O primeiro é Jorge Alexandre Moreira, autor do clássico da literatura terror nacional Escuridão, publicado em meados de 2003, uma época em que o cenário brasileiro e a recepção a este tipo de livro eram completamente diferentes da atualidade. Jorge fala sobre os desafios e dificuldades que enfrentou na época da publicação, sua relação com a literatura do gênero, inspirações por trás de sua obra, em especial Escuridão, e futuros lançamentos. 

Biblioteca do Terror: Primeiramente gostaria de agradecer pela disponibilidade e começar falando sobre a sua relação com a literatura, em especial com o gênero do terror, sei que é fã de Stephen King e Clive Barker, mas como se desenvolveu efetivamente seu gosto pelo tema e quando você percebeu essa necessidade de se expressar através da escrita?  

Jorge Alexandre Moreira: Eu já me perguntei muito isso, porque é uma curiosidade que também tenho: quando, exatamente, comecei a gostar de terror. É difícil dizer porque eu lia muito, desde cedo, e sempre gostei de coisas misteriosas, que me davam medo. Por exemplo, quando criança, eu adorava ler sobre dinossauros e tubarões (que, vamos combinar, são monstros), e sobre OVNIs e extraterrestres, que eu achava absolutamente apavorantes. Então, mesmo não sendo terror, já era uma experiência nesse sentido. Mas se você quiser saber com que idade eu surtei, foi aos 14, quando peguei "Sombras da Noite", de Stephen King, em uma biblioteca. O livro tem 400 e tantas páginas e eu li em dois dias. Foi um caminho sem volta. A cada 15 dias, eu pegava três livros, voltava na biblioteca e pegava mais três. Também foi a idade em que comecei a escrever contos de terror, com começo, meio e fim. Eu repeti de ano de tanto ler e escrever, nesse ano.

BdT: Escuridão é até o momento sua principal obra e acompanha um grupo de soldados em uma missão no interior da Amazônia. Você foi militar durante seis anos e segundo algumas informações se baseou em relatos reais de companheiros que estiveram em missões na Amazônia, na Bósnia, em Moçambique e na América Central. Como foi o processo de criação do romance e até que ponto essa experiência militar teve influência na sua narrativa e em seus personagens?

JAM: Quando escrevi Escuridão, era a coisa mais complexa que eu já tinha escrito. Sob certos aspectos, ainda é, pela quantidade de personagens, as ações simultâneas em locais diferentes, as idas e voltas no tempo. Foi a primeira vez que tive que fazer algo semelhante a um roteiro, para não me perder. O livro foi escrito entre 1999 e 2000, mas a ideia já estava comigo desde a época em que eu era militar. Eu estive no Exército de 1991 a 1996 e minha experiência lá influenciou cada linha de Escuridão. Nas falas e na psicologia dos personagens, na estratégia e na tática das operações, até nas minhas considerações sobre os militares e o próprio Exército.

Sobre ter me baseado em relatos reais de companheiros que estiveram em missões reais, eu estive 4 anos na Academia Militar das Agulhas Negras, que é a escola de formação dos oficiais do Exército. É uma excelente escola de formação e uma das coisas boas se tem lá é muito contato com militares que estiveram em missões reais, no Brasil e no exterior. Dessas palestras e conversas veio muita coisa que está no livro. A ideia da trama em si me veio durante um dos muitos vídeos instrucionais sobre a Amazônia que assistíamos e eu soube que existiam regiões de noite eterna na floresta, onde o sol nunca chegava ao chão. O resto, você sabe.

BdT: Escuridão foi publicado no longínquo ano de 2003, numa época em que o terror, principalmente a produção nacional, não experimentava a popularidade dos dias atuais e muito menos havia a facilidade na disseminação de informação propiciada pelas redes sociais. Como foi a experiência de publicar o livro na época? Qual a foi a recepção que você recebeu?  

JAM: Foi uma experiência muito dividida. Por um lado, eu acreditava muito na história e fiquei muito feliz com o resultado final do livro. Por outro lado, a experiência de distribuir, controlar e divulgar era um pesadelo. Era uma época em que quase ninguém comprava pela internet e as redes sociais não existiam. Eu oferecia o livro nas livrarias de porta em porta (as livrarias ainda tinham porta). Depois, precisava ir na editora pegar nota de consignação, voltar na livraria para deixar a nota, esperar os livros serem vendidos, voltar na editora para pegar uma nota de venda, que seria trocada pela de consignação... tudo isso para, no final do processo, receber um cheque pré-datado para 60 dias. Imagina fazer isso trabalhando de 9 às 6?

Eu passei meses sem almoçar, usando o tempo da minha hora de almoço para fazer isso. Chegou uma hora que não deu mais. Perdi o fôlego. Por outro lado, eu recebia muitos feedbacks bons, de gente que não me conhecia, e isso era maravilhoso. Um dono de livraria na Tijuca falou que o filho dele, que não lia nada, tinha pego o livro e devorado em 3 ou 4 dias. Isso me mantinha confiando no livro. Eu parei, mas sempre fiquei com a ideia de distribuir e vender os livros, quando houvesse oportunidade.

BdT: Você criou uma mitologia profunda e crível ao redor das criaturas de Escuridão, utilizando de elementos da cultura indígena e principalmente na caracterização histórica da existência desses seres, bem como na perspectiva das mesmas com relação à humanidade. Existe alguma ideia ou projeto de retornar a esse universo, seja em um conto ou um romance, para mais uma história sobre os seres da escuridão?

JAM: Existe e é uma ideia que surgiu lá atrás, antes mesmo do livro estar concluído. Por enquanto, não tem nenhuma linha escrita, nenhum esboço, mas acho que um dia vai rolar, sim. Eu não falo sobre o que ainda não escrevi, então, não posso dar pistas, mas posso dizer que  será um romance totalmente independente, sem nenhum dos personagens do primeiro.

 

BdT: Depois de alguns anos sem novas publicações, em 2018 você lançou de forma independente o conto estendido Parada Rápida, um thriller sobre um casal que passando em viagem pelo interior do Paraná enfrenta um turbilhão de violência, loucura e morte. Como foi a sensação de ver uma obra publicada depois desse espaço de tempo e qual foi sua inspiração para a trama?  

JAM: Parada Rápida foi uma experiência maravilhosa, por vários motivos. Primeiro, porque comecei a escrever achando que teria 10, 15 páginas, mas a coisa foi crescendo, os personagens encorpando, as subtramas surgindo, e deu no que deu. Outra coisa é não ter nenhum elemento sobrenatural, o que é sempre um desafio, para mim. Sobre a publicação, em si, essa experiência de poder publicar pelo Kindle Direct Publishing é fora de série. Claro que tem problemas e senões, mas continua sendo muito legal. A ideia para o conto me veio durante uma viagem de férias, de carro, com minha mulher. Parei em um posto (que nada tinha a ver com o da história) e fui ao banheiro, deixando minha mulher no banco do carona e a chave na ignição. Enquanto estava no banheiro, ficou martelando na minha cabeça que não devia ter feito isso - nunca deixo a chave na ignição. Felizmente, saí do banheiro e estava tudo bem. Ronald, como você sabe, não teve tanta sorte. 

BdT: O arrepiante Vontades, conto publicado na antologia Confinados em 2018, solidifica sua reputação como um escritor de terror, a obra foi fruto do Ghost Story Challenge, projeto da ABERST onde um grupo de escritores de terror se isolou em uma casa e passou a noite escrevendo e trocando idéias. Como foi essa experiência na produção da história? E como a interação com outros autores impactou no seu processo de escrita?  

JAM: Sou meio chato com isso. Meu processo criativo é isolado. Não escuto música, não converso, não gosto nem de gente passando perto. Fui para o Ghost Story, então, para conhecer o pessoal da Aberst, com quem eu interagia muito no Face e no Whatsapp, e para viver essa experiência diferente, mas não tinha expectativa de conseguir escrever nada.

De fato, só escrevi uns dois parágrafos naquela noite, mas foi uma experiência muito legal. Acho a Aberst nota dez. Não sei se o fato de estarmos isolados na casa acabou impactando na temática das histórias, pois não havia nada combinado, o tema era livre, mas muita gente acabou falando de confinamento. Então, deve ter tido uma influência inconsciente, sim.

BdT: Seu último lançamento foi o conto Altitude de Cruzeiro, que pode ser lido gratuitamente no seu site, uma história que explode cabeças e faz o leitor se questionar da própria realidade ao término da leitura, você pode falar um pouco sobre essa história?  

JAM: Foi uma ideia que me veio ano passado, em um dos vários voos que eu e minha mulher fizemos, durante nossa lua de mel.  É um tipo de história que sempre quis escrever, com uma pegada tipo "Além da Imaginação", e comecei a escrevê-la a mão, no próprio voo. Não dá para falar muito sobre ela, pois é muito curta, tudo é spoiler, mas ela contém trechos de um livro de P. D. Ouspensky, um pensador russo que considero um dos autores mais importantes de minha vida. Ouspensky tem ideias interessantíssimas sobre o universo, o homem, a vida e a morte. Ele, sim, explode cabeças.

BdT: Para terminar, quais são seus próximos projetos? Existe alguma informação que você possa revelar? Sei que o fruto da edição deste ano do Ghost Story Challenge, cuja antologia se chamará Numa Floresta Sombria, o conto "Um Lugar Especial" já está pronto...  

JAM: Esse ano, sai um romance novo. Ainda não posso falar muito sobre ele, agora, mas vou começar a divulgar informações nos próximos dias. Com certeza, o Biblioteca do Terror vai saber em primeira mão.  A edição desse ano do Ghost Story, que gerou a antologia "Numa Floresta Sombria", foi mais um evento super legal realizado pela Aberst, que tem uma diretoria de gente super apaixonada e competente. Esse meu conto, "Um Lugar Especial" é a história de uma mulher que se embrenha numa floresta, perto de sua casa, e descobre um lugar que parece funcionar com tempo e espaço próprios. A sua relação com esse lugar e a natureza vai fazendo-a questionar sua vida, seu futuro, seu casamento... Até que, claro, algo terrível acontece. É um conto cheio de sensualidade, beleza e referências escondidas, que não atrapalham a leitura, caso o leitor não as pegue. É uma das coisas que mais senti prazer em escrever, nos últimos tempos.

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3 Comentários

  1. Ótima escolha para estrear as entrevistas! Escuridão é um dos melhores nacionais que já li, e pelo jeito tem mais coisa boa por vir.

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  2. Sempre espero o próximo...as histórias dele são sempre envolventes e agente fica com gosto de quero mais!!!

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  3. Adoro as histórias que me prendem na leitura até o final, sem picos de interesse.
    As publicações do JAM me causam esse interesse. Te desejo sucesso.

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