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Resenha | Caçada Implacável de David Osborn


Nas décadas de setenta e oitenta surgiram várias obras que faziam uma reflexão crítica sobre os horrores e a carnificina sem sentido da guerra, em especial o conflito do Vietnã, desconstruindo narrativas ideológicas de patriotismo e explorando os seus efeitos devastadores no imaginário estadunidense. O cerne dessas histórias estava em como o americano médio enfrentava problemas para se reajustar a sociedade em meio ao trauma, paranoia e pesadelos advindos dos horrores testemunhados e cometidos no campo de batalha. Havia uma ansiedade nacional de que o contato com a violência extrema alterava a psique humana, que se materializava no medo de que para essas pessoas a guerra não havia acabado, mas que prosseguia em solo americano, quando ex-soldados desenvolvendo surtos psicóticos entravam em um frenesi assassino e atacavam o coração do sonho americano: os bairros e famílias de classe média.

As histórias de terror e suspense dessa época refletiam esses medos, seja na figura do americano comum que vê sua família sendo ameaçada por um ex-soldado e precisa ultrapassar os limites da moralidade para protegê-la, como em 'Cabo do Medo' de John D. Macdonald, ou ex-combatentes que precisam enfrentar fantasmas do passado e confrontar seus atos brutais durante a guerra, como 'Koko' de Peter Straub, ou ainda a crise psicótica de um soldado mentalmente instável que utiliza seu treinamento militar para assombrar uma cidadezinha americana, como em 'Primeiro Sangue' de David Morrell, que apresenta um John Rambo muito mais sombrio e psicopata que o dos cinemas. O gênero funcionava como um interessante meio de discussão para explorar diferentes facetas da culpa americana.

De toda essa safra de livros violentos, talvez nenhum seja tão perturbador e niilista quanto Caçada Implacável de David Osborn, que explora o tema em uma narrativa explícita e visceral, ecoando o mesmo zeitgeist de uma existência sem sentido e desesperadora, cercada por violência extrema, que gestou obras como O Massacre da Serra Elétrica e Aniversário Macabro. Seus personagens são odiosos, defensores de um falso moralismo de cidadão de bem, que escondem uma alma podre e miserável. Ninguém é inocente. E toda a violência é elevada a extremos onde os próprios conceitos de vida e morte parecem não ter importância alguma. Na história três veteranos de guerra, com famílias normais e ótimos empregos, possuem uma espécie de ritual anual que envolve uma viagem a uma floresta do interior do Michigan, onde se aconchegam em uma cabana e saem para caçar. 

A questão é que suas presas favoritas são seres humanos. Todos os anos durante a viagem até o local eles sequestram aleatoriamente um jovem casal para levar consigo, que após violentas sessões de tortura e abusos são liberados na mata, para depois serem caçados brutalmente. A trama acontece no sétimo ano dessa tradição, quando um elemento inesperado entra na equação e os papéis de presa e caçador são contestados em uma odisseia de sangue. David Osborn tem uma narrativa ágil e visceral, sem economizar nas descrições de violência oferece uma visão arrepiante e claustrofóbica sobre as motivações dos assassinos, explorando como a visão preconceituosa e o discurso neoliberal de militarização da sociedade contribuem para a construção e alimentação das fantasias de poder masculinas.

Caçada Implacável, para além das discussões sobre os efeitos da guerra, é uma leitura interessante pelas reflexões que suscita, especialmente se realizada por uma perspectiva crítica com relação a como a misoginia está enraizada na literatura de terror e seus ecos na produção contemporânea. A narrativa sofre do mesmo problema que grande parte dos romances do gênero dessa época escritos por homens, uma misoginia normalizada que resulta na construção estereotipada de personagens femininas, que, ou são extremamente sexualizadas, ou apenas existem na história como pretexto para violência. 

Diferente da versão da sociedade que a cultura da nostalgia contemporânea vende como produto, baseada em um consumismo onipresente, com marcas e músicas americanas como parte do cotidiano, a realidade carregada de todos seus tabus e preconceitos é dissecada em um viés extremamente pessimista, onde não há nenhuma boa ação, redenção e principalmente heróis. Ecoando a sensação de abandono social e insegurança que as políticas de austeridade, demarcadas pela ascensão da ideologia neoliberal, causaram na época. Seus protagonistas são alguns dos mais odiáveis da literatura. A reviravolta final é construída lentamente ao longo das páginas em um ritmo angustiante que culmina numa exploração visceral e catártica de violência.

   
  Caçada Implacável (1974) | Ficha Técnica 
   Título original: Open Season (1974)
   Autor: David Osborn
   Tradutor: Ruy Jungmann
   Editora: Record
   Páginas: 234 páginas
   Compre: ---
   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠ (7/10 Caveiras)

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