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Resenha | Fantasmas de Dean Koontz

 

Fantasmas é considerado por muitos leitores como um dos melhores livros de Dean Koontz, que curiosamente costuma a descrever o romance como um dos dez maiores erros da sua vida. Isso por quê foi a sua publicação em 1983 que fez com que ele recebesse o rótulo de escritor de terror. Não só cimentando a sua reputação como um autor do gênero, mas também sendo a origem da crítica infundada, que é reproduzida até os dias atuais em resenhas e comentários de leitores, de que Dean Koontz tentava copiar Stephen King em sua escrita ou variações como a de que ele buscava tomar o lugar de King na ficção de horror ou ainda de que os dois eram inimigos e competiam não só nas estantes, mas também nos bastidores editoriais. 

Como se isso não fosse suficiente para macular sua reputação entre possíveis novos leitores, ano passado surgiu outra mentira associada ao autor, no ápice inicial da desinformação sobre a pandemia se espalharam boatos de que o "historiador" Dean Koontz havia previsto o aparecimento do coronavírus em Wuhan, em seu livro Os Olhos da Escuridão, publicado nos anos oitenta. Da noite para o dia, Dean Koontz deixou de ser um nome encontrado apenas nas estantes dos entusiastas de terror para ser uma fonte de desinformação no Whatsapp.

A relação de Koontz com Fantasmas é bem documentada, além de diversas entrevistas, há um ensaio escrito pelo próprio autor que aborda o tema, mas para se entender o contexto da afirmação citada no início é necessária uma breve revisão histórica de sua carreira. Dean Koontz surgiu no mercado editorial no final da década de sessenta assinando a autoria de uma sequência de pequenos romances de ficção científica que não emplacaram. Com o alvorecer dos anos setenta, sob os auspícios do impacto abrasador de O Exorcista de William Peter Blatty, passou a escrever romances de suspense que se apropriavam de elementos do terror, mas que sempre tinham uma explicação científica no final. Suas histórias que se aproximavam do sobrenatural foram publicadas a partir de pseudônimos, como Deanna Dwyer, Leigh Nichols, Owen West, entre outros. Diversas dessas obras "renegadas" foram reescritas e republicadas anos depois, desta vez com seu nome na capa.

O fato é que Dean Koontz nunca abraçou a ideia de ser um escritor de terror e embora tenha conseguido um relativo sucesso ao mesclar suspense psicológico com ficção científica, só conseguiu se tornar um best-seller após sua editora vender uma de suas obras como um livro de terror. Whispers chegou às livrarias americanas em 1981 e mudou para sempre sua carreira. Koontz nunca tinha recebido tanto dinheiro por um livro, o gênero vivenciava um dos seus períodos de maior efervescência, de forma que foi aconselhado por seus editores a mudar o tema do seu próximo lançamento e produzir uma história de terror. Supostamente era o que seus novos leitores estavam esperando, contudo não era o que ele queria escrever. Mas a recém descoberta fonte de dinheiro era boa demais para ser abandonada, então por motivos financeiros acabou aceitando e assim nasceu Fantasmas. É essa decisão que ele lamenta.

A ideia de Koontz era desconstruir o gênero buscando explicações científicas para diversas premissas populares de terror. Ao invés de personagens mergulhados em superstições e misticismo, seus protagonistas usariam a lógica e a razão para determinar a real natureza do elemento fantástico e derrotá-lo. O antagonista de Fantasmas é um amálgama de todos os monstros e tropos de sucesso da época, as referências e inspirações vão desde o próprio Exorcista de Blatty até o horror cósmico de H. P. Lovecraft, com uma ambientação que evoca obras como O Enigma de Outro Mundo e A Bruma Assassina. Não é difícil imaginar o motivo de diversas críticas da época apontassem esses elementos e o acusassem de cópia. Apesar disso, Fantasmas foi bem recebido pelos leitores e sua publicação marcou o ínicio de um ciclo de incursões similares ao gênero do terror por parte de Koontz.

Na história, Jennifer Page é uma médica que mora em uma pequena cidade turística nas montanhas da Califórnia, Snowfield. Ela está voltando de carro para o local com sua irmã mais nova, a quem planeja criar após a morte de sua mãe. Quando as duas chegam em Snowfield são recebidas por um silêncio estranho e claustrofóbico, aos poucos começam a perceber que os moradores da cidade parecem ter misteriosamente desaparecido e aqueles que não sumiram estão mortos, seus rostos revelam a expressão do mais puro horror e seus corpos são encontrados em formas horríveis e bizarras. O desespero em busca de respostas aumenta a medida que a noite cai e as duas começam a se sentir observadas por algo nas sombras.

Fantasmas é a síntese do estilo de Dean Koontz e do que há de melhor em sua escrita: suspense puro da primeira à última página, com cada capítulo adicionando um grau de profundidade e complexidade a história, que não só cumpre seu papel ao criar um mistério instigante, mas oferece ótimos desfechos e explicações. Há muitas cenas que parecem ter saído diretamente das obras de terror citadas como referência, Koontz as desconstrói à luz científica da razão, discutindo as sutilezas e complexidades da mente humana, concluindo ironicamente no último capítulo a sua opinião sobre monstros e suas manifestações. De certa forma a história é uma metáfora ao motivo de preferir uma abordagem científica à sobrenatural, que brinca com as expectativas do leitor a todo momento, mostrando a sombra que jaz no escuro, para acender a luz em seguida e dissecá-la completamente diante dos nossos olhos.

Observado a partir do seu contexto de publicação, Fantasmas, é uma crítica à imposição que Koontz recebeu na época de seus editores, onde o terror é uma paródia delicada que à todo momento é colocado em segundo plano pela tecnologia e pela ciência. Um dos momentos mais emblemáticos que comprovam esse humor irônico de Koontz é quando seus protagonistas entram em contato com a criatura através de um computador e ao perguntar sobre sua natureza, sua identidade, recebem como resposta "Legião" e uma dezena de nomes bíblicos de demônios e outras palavras impronunciáveis e inomináveis. Fantasmas é ao mesmo tempo na sua superfície um sólido romance de terror e em suas entranhas uma piada tão sutil e bem contada que poucos leitores parecem percebê-la.

   Fantasmas (1983) | Ficha Técnica 
   Título original: Phantoms (1983)
   Autor: Dean Koontz
   Tradutora: Maria Isabel de Araripe Macedo
   Editora: Record
   Páginas: 352 páginas
   Compre: ----
   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)

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3 Comentários

  1. Rafa, obrigada por ter trazido essa resenha e, com ela, tantas informações interessantes sobre Koontz, ele é meu autor preferido e Fantasmas é um dos meus livros preferidos da VIDA.

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  2. A primeira metade do livro, com aquele mistério sombrio e angustiante, é muito bom!

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  3. Gostei bastante do clima de suspense construído na primeira metade do livro e a abordagem do final para mim foi uma grande surpresa. Não conhecia muito do Koontz e esse se tornou um dos meus livros prediletos. Preciso lê-lo mais.

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