Últimas Resenhas

6/recent/ticker-posts

Resenha | Antologia Macabra de Hans-Åke Lilja



Antologia Macabra é uma coletânea organizada por Hans-Åke Lilja em comemoração aos vinte anos de existência da Lilja’s Library, um dos sites mais completos a explorar o multiverso midiático da obra de Stephen King. São doze contos que exploram as diversas nuances do gênero do horror, alguns de maneira mais íntima e outros com flertes ocasionais, desde um claustrofóbico suspense psicológico até um angustiante drama sombrio, com todas as narrativas tangenciadas pelo macabro e insólito.

Começamos a leitura com "O compressor de ar azul" de Stephen King. O conto foi publicado pela primeira vez na edição de janeiro de 1971 de um periódico literário da Universidade do Maine, o Onan, curiosamente neste mesmo número também apareceu um poema de King intitulado "In the Key Chords of Dawn". Dez anos depois uma edição revisada da história saiu na edição de julho de 1981 da revista Heavy Metal, sua última aparição, pois desde então King não a incluiu em nenhuma de suas coleções.

Hans-Åke Lilja resgata esta história pouco conhecida e nos dá um vislumbre de uma versão jovem de Stephen King, um escritor iniciante explorando os limites criativos de sua escrita enquanto busca espaço no mercado editorial, lembrando que Carrie, seu primeiro romance, seria publicado apenas alguns anos depois. O texto mimetiza o modo de narração das histórias em quadrinhos de horror dos anos cinquenta, com o narrador quebrando a quarta parede e interagindo diretamente com o leitor numa espécie de narrativa metaficcional que se imiscui com a própria ficção.

Na história um aspirante a escritor, Gerald Nately, acaba produzindo um conto inspirado pela proprietária do chalé que aluga, a sra. Leighton, uma idosa obesa. A explosão de violência na trama advém do momento em que ela lê o texto e ri do resultado. O texto reflete a insegurança de um autor iniciante em receber críticas a seu texto, mas principalmente é um bom exemplo da produção do gênero na primeira metade da década de setenta, que se utiliza da  representação da figura da "mulher monstruosa" como justificativa para violência e assassinato. Talvez por isso tenha sido esquecido, não envelheceu bem. Para os fãs do autor vale a leitura pelas intervenções de King na narrativa. ☠ (5/10)

A estreia de Jack Ketchum em terras brasileiras acontece com o conto "A Rede", escrito em colaboração com a autora Patricia Diana Cacek. A história, publicada originalmente em 2006, explora as relações online nos primórdios da internet, a partir da sensação de desconforto e do medo que advém da passagem do "virtual" para o "real". A narração se dá através de conversas online entre um homem e uma mulher e o que acontece quando eles decidem se encontrar pessoalmente.

O interessante na construção do conto é que os autores literalmente trocaram mensagens como se fossem os próprios protagonistas, Ketchum ficou responsável pela escrita do personagem masculino enquanto Cacek pelo feminino. O suspense jaz na identidade dos dois envolvidos, não dá para saber quem realmente está do outro lado da tela ou quais são suas verdadeiras intenções e é com essa dúvida que o texto brinca constantemente.

"A Rede" pode até não apresentar uma premissa inovadora, Felice Picano explorava a mesma coisa lá na década de setenta em A Janela Aberta só que usando telefones, mas é feita com qualidade e consistência. Os autores oferecem um ótimo final que suscita uma discussão que permanece extremamente atual, a segurança digital. Na era da pós-verdade tenha muito cuidado com quem você conversa online. ☠ (8/10)

"O romance do Holocausto" de Stewart O 'Nan traz o "horror" a um nível mais pessoal e dialoga diretamente com a espetacularização de grandes desastres e até mesmos experiências traumáticas em busca de sucesso no mercado editorial. O conto adquire contornos mais sombrios se analisado a partir da perspectiva das redes sociais na atualidade, onde cada post é uma narração incessante de cada detalhe da vida da pessoa, locais onde a publicação que suscitar mais emoção e mais engajamento, geralmente apelando para o extremismo e nisso a raiva e o ódio são campeões, é aquela que tem maior visibilidade. 

Na busca pelo sucesso e pela atenção do público os limites morais são sodomizados por simples curtidas e compartilhamentos. Stewart O 'Nan explora esse sentimento a partir da perspectiva de um autor cuja construção ficcional da realidade, sucesso de crítica e público, entra em conflito com a realidade que realmente viveu. É brutal. Você nas suas redes sociais é realmente você ou um um personagem que você criou?  ☠ (9/10)

"Aelina" de Bev Vincent é uma fantasia sombria que explora o mundo dos marginalizados que vivem em ruas e becos escuros de cidades perigosas, invisibilizados socialmente só são percebidos pela sociedade através da ótica da violência. A trama explora os limites dos atos feitos em nome da necessidade de sobrevivência, onde uma garota órfã, uma policial e um assassino tem seus caminhos cruzados com consequências mortais. ☠ (7/10)

"Pidgin e Theresa" de Clive Barker foi publicado originalmente em 1993 e escrito durante o período de transição entre sua escrita de horror para a com contornos mais fantásticos. É uma peça importante para o grande mosaico temático formado por suas obras, pois discute e critica abertamente a noção da infabilidade divina. E se Deus pudesse se enganar? Este é um tema que perpassa várias de suas criações posteriores, como as histórias em quadrinhos de Next Testament e Hellraiser e mais especificamente em algumas falas do Pinhead em Evangelho de Sangue, apenas para citar o que li. 

Durante a ascensão beatífica de um homem, seus animais de estimação, um papagaio e uma tartaruga, sofrem transformações ocasionadas pela iluminação da luz divina e acabando virando seres humanos. Buscando compreender sua nova condição eles partem rumo às ruas de Londres, enquanto no paraíso as consequências da malfadada canonização são catastróficas. Repleto do humor seco britânico e da linguagem explícita de Barker, o conto é uma deliciosa experiência para fãs do autor.  ☠ (8/10)

"O fim de tudo" de Brian Keene é uma vivissecção visceral da depressão, o apocalipse não chega apenas através da destruição do planeta ou da sociedade, o mundo acaba para nós quando alguém importante na nossa vida morre. O mundo como nós o conhecemos é despedaçado nesse momento e nos vemos em uma realidade estranha, diferente da anterior. É um conto triste, desconcertante, impactante. Leia com cuidado, dependendo do seu humor e sensibilidade. ☠ (10/10)

A história por trás de "A dança do cemitério" de Richard Chizmar é no mínimo curiosa. Este foi um dos primeiros contos escritos pelo autor e foi aceito em três revistas diferentes, mas nunca publicado, já que cada uma dessas revistas faliu ou foi descontinuada após ter aceitado sua história. Quando ele criou sua própria revista, como um suave aceno para a sorte, usou o nome do conto e assim nascia a famosa Cemetery Dance. 

É uma história curta e macabra, extremamente efetiva em sua proposta, que narra os últimos minutos de um homem caindo em uma espiral de loucura, mérito principalmente da ambientação que prepara cuidadosamente o leitor para seu desfecho impactante. ☠ (9/10)

É nítida a inspiração e homenagem que "Atraídos para o fogo" de Kevin Quigley faz a Algo sinistro vem por aí de Ray Bradbury, capturando a essência da história sobre amadurecimento e adicionando pitadas viscerais e sangrentas que lembram muito a estrutura de Jogos Mortais. O resultado é uma das maiores histórias da antologia, tanto em número de páginas, quanto em enredo e construção de personagens. Buscando emoções e sustos, três jovens decidem fazer uma visita a um sombrio parque de diversões itinerante à noite. O resto da história você pode imaginar... ☠ (10/10)

Ramsey Campbell era um dos autores desta antologia que eu estava mais ansioso para conhecer, porém seu conto "O Companheiro", publicado originalmente em 1973, não me agradou em nada. Metafórico demais, atmosférico demais, contexto de menos. Um homem chega em um antigo parque de diversões vazio e começa a andar em algumas atrações, a medida que avança ele relembra medos de sua infância. A história parece discorrer sobre o pós-morte, mas tenho minhas dúvidas. ☠ (4/10)

"O coração delator" de Edgar Allan Poe não necessita de maiores apresentações. O conto está aqui nesta antologia principalmente por ser uma das maiores inspirações por trás de com "O compressor de ar azul" de Stephen King. ☠ (10/10)  Até onde você iria por amor a sua mãe? Quais limites ultrapassaria? Essa é a questão central de "Amor de mãe" de Brian James Freeman, um conto curto e efetivo em surpreender com sua premissa afiada. ☠ (7/10) 

"O companheiro do guardião" de John Ajvide Lindqvist é uma história que explora os mitos de Lovecraft a partir de uma partida do RPG Call of Cthulhu. Na tentativa de construir uma aventura perfeita para seus amigos, o protagonista acaba invocando algo durante o jogo. Algo que só ele pode ver, mas que o segue por todos os lugares. ☠ (9/10) 

   
  Antologia Macabra (2020) | Ficha Técnica 
   Título original: Shining in the Dark (2017)
   Organizador: Hans-Åke Lilja
   Tradutor: Paulo Raviere
   Editora: Darkside
   Páginas: 240 páginas
   CompreAmazon
   Nota: ☠☠☠☠☠☠ (8/10 Caveiras)

Postar um comentário

0 Comentários