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Resenha | Tempo Estranho de Joe Hill


Uma câmera que apaga memórias, um psicopata enlouquecido com uma paixão por armas, um homem perdido em uma nuvem sólida e um apocalipse provocado por uma chuva de cristais afiados são os elementos que compõe Strange Weather de Joe Hill, coletânea vencedora do Bram Stoker Awards de 2017, formada por Snapshot, Loaded, Aloft e Rain. Da mesma forma que Stephen King explora as estações do ano em Quatro Estações, Joe utiliza os "tempos estranhos" como fio condutor para suas premissas, seja esse tempo literalmente uma referência climática ou uma metáfora para a época sombria que atravessa a sociedade atual. 

Strange Weather é uma obra que impressiona pela sua qualidade e inventividade narrativa, ao mesmo tempo que apresenta os textos mais críticos e politizados produzidos pelo autor. É difícil classificá-la em um simples gênero, a paleta de emoções e temas que são abordados em suas páginas é complexa e ilustra com perfeição a evolução de Joe Hill como um contador de histórias, demonstrando toda sua habilidade em unir elementos diferentes de uma forma harmônica e pessoal. Um exemplo é a construção de Rain, em meio a descrições explícitas e brutais de corpos sendo despedaçados por uma chuva de cristais afiados há um subtexto sensível e importante sobre violência contra a mulher e preconceito de gênero .

"Snapshot" abre a coletânea com uma ambientação que remete a Stephen King, abusando da nostalgia e utilizando uma câmera Polaroid como conexão com o paranormal, Joe constrói a história de um menino que descobre que a perda de memória da sua vizinha idosa possui um motivo mais sombrio que o revelado pelos médicos: um estranho apaga suas lembranças através de fotos. A escrita ágil é embasada por uma narrativa envolta em suspense e drama, as páginas finais guardam uma reviravolta assustadora que muda a configuração da premissa.

Joe Hill propõe duas discussões interessantes nas entrelinhas dessa história, a primeira é uma cuidadosa e sagaz observação sobre as dificuldades que advém do Mal de Alzheimer e o modo insidioso como essa doença ataca não apenas a vítima, mas também seus familiares e conhecidos. A outra é uma crítica a nossa dependência de dispositivos eletrônicos e como a sua capacidade de armazenamento alterou nossa forma de "lembrar" os acontecimentos. 

Em seguida "Loaded" se abstém do sobrenatural para fazer uma crítica consistente a política de armamento americana e discutir toda problemática e violência que advém do conflito entre os movimentos modernos em prol do direito de portar armas e do desarmamento. Um segurança de shopping vive seu momento de glória ao impedir um massacre em massa matando um suposto atirador em uma loja, mas sua versão dos fatos é estranha e o número de cadáveres no local levanta suspeitas de uma repórter com um histórico de abuso policial, seu instinto a levará a revirar as entranhas pútridas do caso em busca da verdade. 

"Loaded" é eficiente nas discussões que se propõe a provocar, mas na ânsia em explorar a história dos personagens, bem como suas relações com as armas de fogo, Joe acaba escrevendo algumas páginas a mais, que não adicionam nada de muita relevância à narrativa. A história apesar de funcionar a contento, fica pesada em alguns momentos com o recheio dos argumentos de ataque e apoio à política de armamento. O que faz a leitura inesquecível é sem sombra de dúvidas seu final chocante, ao mesmo tempo que oferece uma conclusão satisfatória deixa espaço para a imaginação do leitor completar a angustiante cena final. A dificuldade para concluir suas histórias é um elemento que Joe Hill definitivamente não herdou de seu pai.

"Aloft" é a perfeita premissa do que seria um episódio clássico de Além da Imaginação nas mãos de Rod Serling: ao experimentar seu primeiro salto de paraquedas um jovem acaba ficando preso em uma nuvem sólida, a situação fica mais impossível e desesperadora quando eventos estranhos o fazem crer que a nuvem pode ter consciência própria. A história é instigante até sua metade, mais uma vez a "duração" do conto prejudica o texto. 

O mistério é esfacelado em fronte a dezenas de explicações que tiram parte do esplendor da trama, o monólogo do protagonista intercalado com flashbacks de sua vida pregressa, que a início são desinteressantes, acaba sendo o grande salva-vidas da narrativa. As páginas finais conseguem recuperar o ritmo de tensão do começo, mas esse é o típico caso onde menos é mais e ao oferecer todas as respostas para o mistério da "nuvem" Joe acaba deixando a leitura previsível e sem grandes surpresas.

"Rain" fecha a coletânea com uma visão moderna e divertida de um apocalipse climático, flertando descaradamente com os clichês do gênero em um texto onde chovem críticas sociais mais afiadas que os cristais da história. Na trama a população de uma cidadezinha americana é destroçada por uma tempestade de cristais do tamanho de agulhas e tão afiados quanto, a protagonista vê sua namorada e "futura" sogra serem despedaçadas a poucos metros de onde está. E as nuvens se espalham pelo globo.

Em meio a destruição e ao caos que surgem quando a chuva dá uma trégua, ela decide embarcar em uma jornada até a cidade vizinha para contar ao "sogro" o que aconteceu, mas para chegar lá terá que enfrentar uma seita bizarra e a ameaça de novos temporais. O destaque nessa história são as descrições de mortes e construções de cena, Joe Hill disseca o preconceito de orientação sexual ao mesmo tempo que destrói lentamente as amarras sociais e revela o que realmente jaz por trás de sorrisos falsos e cumprimentos forçados. 

Strange Weather é uma leitura divertida e que faz refletir, com duas histórias excepcionais e outras duas que variam do mediano ao ótimo, dependo do momento da narrativa, é uma obra que agradará aos fãs de Joe Hill e Stephen King. Ainda não há nenhuma previsão da editora Arqueiro, detentora dos direitos do autor no Brasil, sobre a edição brasileira do livro. Provavelmente Strange Weather só chegará às livrarias nacionais em 2019.

   
  Tempo Estranho (2019) | Ficha Técnica 
    Título original: Strange Weather (2017)
   Autor: Joe Hill
   Tradutor: André Gordirro
   Editora: HarperCollins
   Páginas: 448 páginas
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠ (9/10 Caveiras)

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1 Comentários

  1. Acabei de terminar o livro. Gostei muito dos contos, exceto Nas alturas que achei mediano. Achei que o autor melhorou sua escrita, comparado a outras obras que li dele.

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