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Resenha | Os Condenados de Andrew Pyper


O medo da morte é uma constante na vida de cada um, não sabemos onde, como ou quando, apenas que ela é inevitável, o nosso maior desconforto advém do medo do desconhecido,  não saber o que nos espera após cruzarmos o umbral da morte é uma grande tortura. Será a nossa existência um simples capricho da natureza ou fruto de um plano maior? A vida após a morte é a questão central da grande maioria das religiões, suas diferenças estão nos ritos a serem cumpridos para alcançar a paz na próxima na vida, além da percepção do que é o paraíso, será que ele é povoado por anjos tocando arpas ou virgens e banquetes regados a tonéis de cerveja? 

O caráter imaginativo da literatura se dispõe a responder essas questões e as formas de abordagem são infinitas, mas todas convergem para um mesmo ponto: para abraçar a ideia do autor é imprescindível que você acredite que a vida é mais do que a nossa percepção simplista da realidade nos permite vislumbrar, e que somos rodeados por um poder que transcende a nossa mortalidade. A morte é o combustível das histórias de terror, é o que faz o medo fluir pelas páginas dando a vida a horrores e monstros que de outra maneira não poderiam existir. 

A sobrevivência é a grande motivação dos protagonistas, o que os fazem correr pela floresta à noite de assassinos psicóticos ou entrar em pânico quando uma simples lâmpada se apaga, é o medo da morte e a consciência de sua iminência que os fazem enfrentar um horror além da imaginação. Nesse contexto a vida após a morte é uma incógnita, frequentemente nas histórias de fantasmas a assombração e o fato que a impede de seguir adiante são muito mais importantes que o próprio além. A questão da perspectiva é muito importante nesse tipo de obra, pois a maneira como você entende o sobrenatural e o assimila em suas crenças, é o que define o que é assustador ou não. 

Em A Noiva Fantasma de Yangsze Choo, por exemplo, a tradição milenar de queimar roupas e alimentos tem grande importância na  criação do mundo pós-vida, a segurança dos espíritos não é garantida por seus atos na Terra, mas sim pelo valor das oferendas que recebem. Já no  Auto da Compadecida de Ariano Suassuna a versão cristã do purgatório, um local onde seus pecados e gentilezas são examinados, é onde as almas aguardam o julgamento para saber qual será seu destino final. Enquanto na versão espiritista de Amor Além da Vida de Richard Matheson, somos nossos próprios juízes e o sentido da  existência é a busca pela perfeição da alma por meio de sucessivos renascimentos.

Andrew Pyper cria em Os Condenados uma versão do pós-vida mais pessoal, o inferno e o paraíso são definidos por nossas experiências, antes mesmo da morte eles já estão dentro de nós, são compostos por nossas lembranças, as melhores e as piores, que se repetirão pela eternidade. É uma experiência de quase morte que transporta seu protagonista para o vale da sombra da morte e o traz de volta para relatar o que viu por lá.

A experiência de quase morte é assunto que gera polêmicas e divide opiniões entre a sociedade científica, prova da existência da alma, lenda baseada no senso comum ou ilusão inspirada pela religiosidade? A questão é que dezenas de relatos intrigam os especialistas, tanto por suas descrições quanto pela similaridade existente entre as mesmas, feitas por pessoas à beira da morte que tiveram a experiência conhecida como projeção astral. 

Danny Orchard é uma dessas pessoas que, cortejado duas vezes pelo abraço gelado da morte, sobreviveu a viagem e retornou com provas inquestionáveis da existência de algo além da nossa compreensão. Sua última quase morte foi a mais dolorosa, apesar de ter sobrevivido, sua irmã gêmea, Ashleigh, não teve tanta sorte. Foi queimada viva.

Para todos aqueles que observavam a família Orchard de fora,  Ashleigh era o reflexo da garota americana perfeita, era inteligente, popular e bonita, não era preciso ser nenhum adivinho para enxergar um futuro brilhante em seu horizonte. Mas para aqueles amaldiçoados com seu convívio íntimo, essa casca de perfeição mal encobria um interior podre e depravado. Na intimidade Ashleigh era cruel, egoísta e sádica, sua personalidade dominadora fazia com que sua família não passasse de um simples apêndice para sua existência. Sua morte foi recebida com menos tristeza do que o esperado, Danny achou que estava livre de sua influência negativa e que poderia finalmente começar sua própria vida. Mas não ficou nenhum pouco surpreso, quando semanas após sua morte, o fantasma de sua irmã se materializou ao seu lado. 

O fantasma de Ashleigh se tornou uma doença crônica, uma espécie de presença constante que, sempre que Danny tentava interagir com outras pessoas, manifestava uma fúria sem limites. Mesmo após a morte sua personalidade doentia não sofreu nenhuma alteração, sua concepção era de que o irmão errado havia morrido naquele incêndio, como compensação por sua vida ter sido interrompida tão prematuramente iria garantir que seu irmão não tivesse uma vida. Danny passou grande parte de sua existência imerso em solidão, porém esse cenário muda completamente quando conhece uma mulher especial. Em seu coração ela desperta o mais puro amor e no de sua irmã o mais límpido ódio.

Os Condenados é mais do que uma simples história sobrenatural sobre assombrações, é um envolvente suspense psicológico que fala sobre os fantasmas pessoais, nascidos das cicatrizes de traumas da infância e de relacionamentos abusivos, e a força necessária para enfrentá-los, cuja semente está no poder do amor. Andrew Pyper constrói um clima sólido de suspense, cenas de ação e tensão são complementadas por ótimos personagens, sua escrita é mais pessoal e intimista, consegue envolver o leitor através de uma empatia e carisma que não estavam presentes em Demonologista, o vilão aqui é muito mais assustador por seu caráter único, é alguém que você ama.

A narrativa é rápida, mas não é apressada, há uma história para ser contada aqui, as aflições de um homem em sua batalha individual contra seus demônios particulares, e Andrew Pyper toma o tempo necessário para fazê-lo. Em comparação com O Demonologista, em Os Condenados há uma liberdade maior para a criação do ambiente sobrenatural, já que o autor não é limitado pela obra de terceiros e nem pela preocupação de ferir a crença religiosa de alguém, não há linhas em branco para sua imaginação preencher, o final é fechado e não deixa margens para interpretações. 

Não é um livro que vai te dar medo, mas é um livro que vai te fazer prender o fôlego e devorar suas páginas até a última linha, roendo as unhas de tensão. Se você procura uma leitura instigante e divertida Os Condenados é o livro perfeito para você.

   
  Os Condenados (2016) | Ficha Técnica 
   Título original: The Damned (2015)
   Autor: Andrew Pyper
   Tradutores: Cláudia Guimarães
   Editora: Darkside Books
   Páginas: 336 páginas
   CompreAmazon
   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠ (9/10 Caveiras)

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8 Comentários

  1. Pra quem curte histórias bizarras de amor, ódio e obsessão entre irmãos gêmeos, recomendo o clássico "Gêmeos, mórbida semelhança" do David Cronenberg.

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  2. Eu esperava muito mais do livro. A Ash aparece tão frequentemente que tudo ficou banal e até mesmo previsível. Os personagens secundários são pouco explorados e são abordados de forma que não consegui criar empatia com eles. Com um elogio do mestre King minha expectativa foi lá em cima e depois de ler fiquei decepcionado.

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    1. Esse elogio de Stephen King foi para o livro "O Demonologista". Foi colocada na capa desse livro para fins de marketing, talvez...

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  3. Oi :)
    Pela sua resenha este é um livro de arrancar os cabelos.
    Adorei seu blog! Muito criativo e o layout é muito loko. Já estou seguindo para acompanhar sempre as resenhas.
    Beijos,
    http://www.fabulonica.com/

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  4. Me decepcionou também... Ash se torna uma "assombração" irritante pra quem lê, sua presença constante faz perder o charme do suspense. Além disso o protagonista se mostra demasiadamente apático quanto a essa ameaça por grande parte da trama, eu não encontro outra forma de dizer isso, ele é LERDO demais ... Todavia é um bom passatempo, mas Andrew Pyper mais uma vez prova ser fruto de muita propaganda.

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    1. Não gosto desse escritor, muita mídia! O Demonologista é um livro comum nada de excepcional

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    2. Sandman, o Demonologista começa muito, muito bem, mas depois da uma caida boa, fica meio repetitivo sem acontecer muita coisa interessante. Estou chegando nos últimos capítulos agora, vamos ver se melhora.

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  5. Que legal saber que você é bibliotecário. Também sou e sou pesquisador de HQs. Prestou lendo O Demonologista e lerei esse logo depois.

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