A escrita de Lovecraft é extremamente perturbadora, seus monstros cósmicos são seres além da imaginação humana, os vislumbres de seus rastros em lugares inóspitos da Terra e no cotidiano mergulham na insanidade a mente mais sã. 

Alguns autores são mestres na arte de arrancar arrepios e causar medo através da sugestão do que há escondido nas sombras daquele canto escuro no quarto, muitas vezes não saber o que espreita através da escuridão causa mais tormento que o conhecimento do que realmente existe lá, porém autores de horror são conhecidos pela brutalidade com que forçam seus leitores enfrentar os horrores indizíveis, acendendo a luz do quarto e iluminando a criatura insidiosa que lá jaz em toda sua sangrenta compleição, sem deixar espaço para fechar os olhos. 

A ignorância nesses casos chega a ser uma benção. H.P. Lovecraft faz muito mais que isso, ilumina planetas distantes e galáxias longínquas desmistificando a crença que a humanidade é a única fonte de vida no universo e com primor a de que somos a raça mais inteligente. Em A Sombra Vinda do Tempo, o horror ultrapassa as barreiras temporais e toma forma através das lembranças do protagonista com uma narrativa extremamente culta e viciante que consegue nas entrelinhas horrorizar e arrepiar o leitor, tornando-o consciente de sua insignificância perante a eternidade do universo. 

Como muitas das histórias de Lovecraft é narrada em primeira pessoa através do relato do professor Nathaniel Wingate Peaslee que teve suas memórias apagadas por um período de cinco anos, tempo esse no qual agiu de maneira totalmente estranha ao seu normal adquirindo um interesse pelo ocultismo e suas vertentes, além de fazer viagens a lugares inóspitos e escavações assombradas. 

Aos poucos, refazendo seus passos começa a descobrir segredos assustadores que permeiam a história da humanidade, sonhos cada vez mais bizarros e monstruosos passam a atormentar suas noites e a revelação que alcança ao unir as peças desse quebra-cabeças sombrio é devastadora: seu corpo foi tomado, nesses cinco anos passados, por uma entidade de outra raça e de outro tempo que reúne informações acerca de todo o universo através de uma transferência de mentes que ultrapassa os limites temporais.

A temática de viagem temporal explorada por Lovecraft é impressionante, a transferência de mentes é uma ideia bastante original e que se torna uma via de mão dupla, do mesmo modo que a criatura reúne informações históricas acerca da humanidade, o protagonista vislumbra a raça no qual eles hospedam suas mentes, gigantescos cones com pseudópodes, os acontecimentos que marcam as mudanças desses seres, as raças que anteriores à humanidade que viveram na Terra e as raças que surgirão após a nossa destruição, entre as mais fantásticas uma sociedade formada por seres parecidos com besouros gigantes.

A escrita do autor é marcada pelo detalhes das descrições alcançando uma veracidade fantástica que permeia todos seus contos, sua habilidade em criar um clima envolvente e sombrio também é notável, o leitor se sente dentro da atmosfera claustrofóbica do conto. A edição da Hedra de A Sombra Vinda do Tempo além de bastante detalhada, traz adendos e notas além da nova tradução que conseguiu reproduzir minunciosamente o texto original tornando-o uma leitura mais fluída e agradável, sem perder o clima do autor. É um livro pequeno no tamanho, mas grandioso nas implicações com o qual o texto flerta. Leitura obrigatória. 

   A sombra vinda do tempo (2011) | Ficha Técnica 
   Título original: The Shadow Out of Time (1936)
    Autor: H. P. Lovecraft
   Tradutor: Guilherme da Silva Braga
   Editora: Hedra
   Páginas: 118 páginas
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)