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Há cinco anos uma versão mais jovem minha abria inocentemente a primeira página de O Iluminado e lia: "Jack Torrance pensou: Cretino!". Com essa simples frase Stephen King conseguiu mudar minha vida dando inicio ao meu vício por literatura, em especial pelos sustos e arrepios que acompanham as histórias de terror e a tensão sufocante dos suspenses. Depois disso foram longos dias e belas noites em companhia de histórias como Christine, Zona Morta, O Cemitério, Talismã, Celular, Dança da Morte, A Coisa, Carrie... 

O vício chegou a um ponto em que devorei todos os livros do mestre que encontrei, fui até as loja e sebos mais obscuros para encontrar aquela edição antiga tão desejada. De modo que até alguns meses atrás faltava apenas um livro dele, daqueles que foram publicados no Brasil, para ler: Trocas Macabras. Foram anos procurando até surgir a ocasião e preço favoráveis. Algumas notas de mico leão dourado e minha alma eterna foram tudo o que foi pedido.

Publicado no início dos anos noventa, pela editora Francisco Alves, na coleção Mestres Do Horror e da Fantasia, Trocas Macabras faz parte de um seleto grupo de obras de Stephen King que se encontram no estado de raridade como: Depois da Meia-Noite, Angústia e A Metade-Negra, tendo seu preço suficientemente elevado para comprar dois de seus mais recentes lançamentos. Trocas Macabras é a última história de Castle Rock.  E como esta cidade já foi utilizada em tantos outros livros do mestre a coleção de citações, que variam entre nomes de personagens e eventos, é gigantesca. 

É possível encontram referências a Zona Morta, Cão Raivoso e A Metade Negra, assim como em contos presentes em Depois da Meia Noite e Quatro Estações. Reconhecer esse universo partilhado criado por King é uma emoção a parte que vem em um fluxo nostálgico enorme, por isso é aconselhável aos leitores que antes de se aventurar em Trocas Macabras conheçam seu trabalho dos anos setenta e oitenta, leitura obrigatória para qualquer fã do gênero.

Stephen King antes de tudo é mestre na arte da descrição das emoções humanas, saber o que assusta o leitor é apenas uma pequena parcela do que se trata um romance de terror, a imagem do monstro é assustadora, mas a reação da mente humana através do horror que ela causa é o que é aterrorizante. A capacidade de colocar o leitor no exato lugar do protagonista e faze-lo sofrer junto cada susto, suar a cada momento de tensão e gritar nos segundos em que a fina barreira da sanidade é rompida pelo horror é o que mais me agrada nas histórias do mestre. 

Trocas Macabras é um livro no qual King abusa dessa ideia, apesar de possuir seus momentos sobrenaturais o que reina na trama é o horror real, a assustadora natureza humana e sua crueldade são exploradas por suas mãos. Nas mais de quinhentas páginas da edição brasileira, o primeiro terço da história serve para apresentar o leitor a pacata Castle Rock e seus moradores, a descrição da normalidade é até meio exagerada tudo para que quando a "festa" começar a sensação seja de choque e até ultraje. E amigo, que festa hein? The Rock tem o final que sua grandiosidade merece.

Após todo o ambiente de naturalidade estar composto, o mestre usa seu toque sobrenatural para começar a desconstruir a trama trazendo uma desavença entre vizinhos antiga à tona, um toque de loucura a aquele personagem desequilibrado, a coragem que faltava ao covarde para enfrentar seus medos, a pequena dúvida para a mulher desconfiada de seu marido... 

Enfim de uma maneira extremamente inteligente, através da figura do senhor Leland Gaunt e sua loja de Coisas Necessárias, King desconstrói o cerne de um lugar através das minúsculas células que a compõe. A destruição começa de maneira inocente nas mãos de um menino nas páginas iniciais tendo uma evolução a principio lenta até atingir a guerra apocalíptica que explode ao fim. Trocas Macabras entra na lista das melhores obras do King, uma das últimas que possuem o ar da ficção de horror dos anos oitenta. 

A complexidade e profundidade do enredo são aspectos que fazem do livro uma leitura imperdível e seus personagens inesquecíveis o suficiente para guardá-los naquela sala especial no coração de cada fã do King ao lado de suas criações mais incríveis. Como sempre seus vilões são figuras extremamente inteligentes e carregadas de influencias de outros autores, como no caso Lovecraft, mas não obstante seus heróis fazem jus ao nome em mais um dos confrontos épicos clímax de seus romances. 

Aqueles momentos tão odiados e amados que somente Stephen King consegue criar também estão presentes aqui, cenas em que as emoções dos personagens são tão fortes que conseguem tocar o leitor e as ações os fazem subir de patamar na consideração de importância para o enredo que culminam no tão conhecido: E essa foi à última vez que ela o viu com vida. Um livro imperdível para os fãs de King, vale a pena cada segundo empenhado na sua leitura.

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  Trocas Macabras (1992) | Ficha Técnica 
   Título original: Needful Things (1991)
   Autor:Stephen King
   Tradutor: Toni Thomson
   Editora: Francisco Alves
   Páginas: 558 páginas
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)