Últimas Resenhas

6/recent/ticker-posts

Resenha | Poltergeist de James Kahn


Poltergeist é um dos clássicos de terror que mais instiga o imaginário dos fãs do gênero, não apenas pela sequência de tragédias que acometeu os membros do elenco ao longo dos anos, coincidências macabras que lhe renderam a fama de filme amaldiçoado, mas também pelos diversos rumores que cercam a produção e aumentam ainda mais sua aura assustadora, como a utilização de ossos e esqueletos humanos reais em algumas cenas e a realização de um exorcismo no set de filmagens. A controvérsia se estende até os bastidores, sobre quem realmente era o responsável pela direção do filme, Steven Spielberg ou Tobe Hooper, e curiosamente essas complicações alcançaram até o processo de produção da novelização.

Uma novelização nada mais é que a adaptação literária do roteiro de um filme ou episódio de uma série de televisão, sua popularidade explodiu nas décadas de setenta e oitenta, especialmente as do gênero de terror. Numa época anterior a possibilidade das pessoas alugarem filmes para assistir em suas casas, a forma mais fácil de experimentar novamente a história que você assistiu no cinema era através da sua novelização. O sucesso do formato era tão grande que escritores se especializaram em transformar roteiros em romances, e mais do que simplesmente fazer uma transcrição direta, eles tinham liberdade para serem mais expansivos e detalhistas. Muitos autores trabalhavam com o roteiro original, escrevendo ao mesmo tempo que as filmagens aconteciam, de forma que existem novelizações diferentes do filme final, com cenas que foram censuradas ou alteradas na sala de edição e até mesmo finais alternativos, preservados nas páginas do romance.

A novelização de Poltergeist é considerada por muitos como uma das melhores de todos os tempos, James Khan não só expande cenas originais como oferece uma visão mais aprofundada dos personagens. Um exemplo é uma das cenas mais icônicas do filme, onde um dos parapsicólogos, após cuspir um pedaço de frango cheio de vermes no chão da cozinha, corre para o banheiro lavar a boca, e quando olha para o espelho percebe um corte em seu rosto, assustado começa a puxar a pele e logo suas mãos estão cavando por entre seus músculos expondo a caveira sangrenta de seu crânio. No filme a cena termina exatamente nesse ponto com a revelação de que era uma alucinação, entretanto a novelização é mais selvagem e explícita, a perturbação do personagem continua por muito mais tempo e fica ainda mais macabra, com direito a ser comido vivo por aranhas e ratos. Se a versão cinematográfica já é forte, a literária é ainda mais chocante.

O que torna ainda mais estranho tentar imaginar que a primeira versão da novelização de Poltergeist não foi escrita por James Khan, mas sim por Joe Haldeman, autor de Guerra sem fim. Segundo a versão de Haldeman, Steven Spielberg começou a procurar alguém para escrever a novelização antes mesmo das filmagens se iniciarem, ele só aceitou o trabalho por conta do pagamento ser muito bom para a época e da condição razoável de ter que enviar um capítulo por semana junto com um breve esboço do próximo. No meio do processo Haldeman passou a mandar anotações sobre o que achava do roteiro e suas considerações não eram nada elogiosas, especialmente pela obrigatoriedade de manter cenas do filme que ele acreditava que não funcionariam no papel. A versão de Poltergeist de Haldeman chegou a ter algumas provas de impressão realizadas, antes que Spielberg encontrasse uma das suas anotações e ofendido o expulsasse do projeto. Essas edições são extremamente raras hoje em dia. Quando James Khan foi contratado para escrever uma nova novelização, o filme já estava em pós-produção e ele só conseguiu o emprego prometendo entregar o livro finalizado em menos de um mês. 

E é exatamente isso que torna a versão de James Khan ainda mais incrível, com pouco tempo disponível ele não apenas aprofundou a história dos personagens, especialmente da médium clarividente Tangina Barrons,  mas também adicionou um enredo auxiliar baseado em suas experiências pessoais com a parapsicologia. Nos anos oitenta a explicação parapsicológica se tornou bastante comum na ficção de terror, e embora esta seja uma pseudociência, sua abordagem e aproximação do sobrenatural, por meio de aparatos tecnológicos, trouxe novas possibilidades para a produção de histórias do gênero. Entretanto essa mistura nem sempre dá certo, em algumas condições funciona maravilhosamente, como é o exemplo dos romances de Frank de Felitta, e em outras é uma decepção total, como é exemplo de Exorcista II: O Herege. No caso da novelização de Poltergeist essa mistura funciona e ainda acrescenta novas camadas de experiência à história.

Na trama somos apresentados aos Freelings, uma família que vive numa comunidade planejada chamada Cuesta Verde, sua tranquilidade é interrompida quando estranhas ocorrências começam a acontecer na casa, inicialmente o fenômeno parece ser inofensivo, mas a medida que os eventos assustadores se intensificam, todos são esmagados pela sensação de que uma presença maléfica se faz sentir no ar. Carol Anne, a filha mais nova, é a mais afetada, passando a ter sonhos com pessoas mortas e a acordar no meio da noite escutando vozes na estática da televisão, seu desaparecimento dá início a uma das histórias de assombração mais assustadoras de todos os tempos. A temática de Poltergeist ressoa com as ansiedades sociais do nosso passado colonial, como o medo da descoberta de que nosso lar não é mais nosso, que está sendo invadido por forças além da nossa compreensão, de certa forma reencenando o próprio processo de colonização. A leitura se torna uma experiência ainda mais imersiva se conduzida à luz da nostalgia, amplificada na edição brasileira pelas mãos de Cesar Bravo, que não só oferece um ensaio apaixonado sobre o filme, mas um conto inédito chamado "Para Sempre Carol Anne", simples e direto, finalizando de forma emocionante uma leitura inesquecível. 

   
   Poltergeist (2023) | Ficha Técnica 
   Título original: Poltergeist (1982)
   Autor: James Kahn
   Tradutor: Eduardo Alves
   Editora: Darkside
   Páginas: 272 páginas
   CompreAmazon
   Nota:☠☠☠☠☠(10/10 Caveiras)

Postar um comentário

0 Comentários