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Resenha | Cherry: InocĂȘncia Perdida de Nico Walker


Cherry Ă© aquele tipo de livro fĂĄcil de se ler mas difĂ­cil de se explicar. Nico Walker escreveu uma espĂ©cie de romance ficcional semiautobiogrĂĄfico que narra a histĂłria de um jovem veterano da Guerra do Iraque, cuja dependĂȘncia de drogas associada ao estresse pĂłs-traumĂĄtico advindo de situaçÔes de combate, culminou em uma carreira rĂĄpida e prolĂ­fica como ladrĂŁo de bancos. É uma histĂłria sem herĂłis, que vaga entre um tom dramĂĄtico de pessimismo e um humor autodepreciativo explĂ­cito.

A literatura de terror e suspense estĂĄ cheia de histĂłrias que versam sobre os efeitos devastadores da guerra em pessoas comuns, protagonistas que enfrentam problemas para se reajustar a sociedade, lutando com o trauma, paranoia e pesadelos advindos dos horrores do campo de batalha. Para citar alguns exemplos, Peter Straub oferece em Koko uma vivissecção do drama psicolĂłgico de ex-combatentes do VietnĂŁ que precisam enfrentar os fantasmas do passado e confrontar seus atos brutais durante a guerra, materializados na figura de um colega de pelotĂŁo que vira um serial killer. 

John D. Macdonald em Cabo do Medo inverte a perspectiva para a figura do americano comum que vĂȘ sua famĂ­lia e seu modo de vida sendo ameaçados por um ex-soldado psicĂłtico e precisa ultrapassar os limites da moralidade para protegĂȘ-los, sendo obrigado no processo, mesmo que indiretamente, a vivenciar as mesmas emoçÔes e medos do campo de batalha. 

A principal diferença de Cherry em relação Ă  narrativas similares do gĂȘnero Ă© a nĂŁo utilização desses estereĂłtipos para a construção de seu protagonista, nada de herĂłi patriota ou do veterano psicologicamente destroçado. O narrador anĂŽnimo de Nico Walker se apresenta como um intrincado e complexo quebra-cabeças, a epĂ­tome do niilismo millennial de potencial desperdiçado, pelo qual, na maioria das vezes, Ă© difĂ­cil sentir empatia. 

Mas Cherry Ă© mais do que uma histĂłria sobre a guerra e seus efeitos devastadores, Ă© tambĂ©m uma histĂłria de abuso e dependĂȘncia quĂ­mica e emocional, transcrita na forma de relacionamentos mutuamente destrutivos, construĂ­dos a partir do tĂ©dio, desilusĂŁo e crueldade. A narrativa Ă© direta e cortante, beirando o imediatismo e o ultrarrealismo das reportagens jornalĂ­sticas que vertem sangue, com descriçÔes impactantes e explĂ­citas de mortes e assassinatos no campo de batalha e da sensação de prazer e agonia que perpassa o abuso de drogas. 

Cherry Ă© uma leitura desconfortĂĄvel, uma perturbadora visita guiada ao fundo do poço em toda sua transparĂȘncia putrefata, na qual nĂŁo hĂĄ nenhuma reflexĂŁo sobre culpa, arrependimento ou uma lição a ser aprendida. É simplesmente a realidade como ela Ă©, transcrita da forma mais impactante e claustrofĂłbica possĂ­vel. 

   
  Cherry: InocĂȘncia Perdida (2021) | Ficha TĂ©cnica 
   TĂ­tulo original: Cherry (2018)
   Autor: Nico Walker
   Tradutor: Diego Gerlach
   Editora: Darkside
   PĂĄginas: 352 pĂĄginas
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (8/10 Caveiras)

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