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Resenha | Sonho Febril de George R.R. Martin


Há uma grande variação do mito do vampiro entre as culturas das diferentes civilizações dos quatro cantos do planeta, não apenas a localização mas a própria época em que passam tem efeitos profundos na evolução de tais lendas, mas não há como negar que as as similaridades também são muitas para descartar a existência de alguma verdade por trás dos mitos. 

No senso popular os vampiros são tidos como mortos-vivos, criaturas imortais e sem alma que vagueiam pela escuridão da noite em busca de vítimas incautas, das quais sugam o sangue como fonte de alimento e vitalidade, podendo transformá-las em monstros através da mordida,  evitam mortalmente a luz do dia, descansando em  caixões recheados com a terra do lugar onde nasceram,  podem ser afugentados por cruzes a água-benta e destruídos através de uma estaca cravada no coração. 

George Martin desconstrói toda essa mitologia para criar um feroz predador moderno que é inserido na sociedade como uma crítica a concepção do pensamento racial em uma época totalmente propícia para esse diálogo. Sonho Febril é quando a ficção histórica se apaixona pelo horror e ao mesmo tempo flerta desavergonhadamente com a fantasia urbana.

No século XIX as embarcações fluviais eram a forma de transporte mais popular e rápida nos Estados Unidos, permitindo o transporte em larga escala de passageiros e mercadorias, principalmente nas regiões de bacias hidrográficas, como a do grande rio Mississipi. Os grandes barcos a vapor que singravam a extensão dos rios desafiando a natureza e suas as correntezas  eram artigos de luxo, os grandes donos das companhias de navegação não mediam esforços na criação das mais belas embarcações que eram verdadeiras palácios acima d'água. 

Abner Marsh é um típico capitão de barcos a vapor que se encontra a beira da falência, sua companhia enfrentou uma maré de azar que culminou no naufrágio de suas melhores embarcações e o futuro é sombrio para suas aspirações. Sua sorte parece mudar com a chegada de Joshua York, um milionário que lhe propõe uma parceria na construção de uma luxuosa embarcação que ofuscaria o brilho de qualquer uma existente, lhe dando total liberdade para dar vida ao barco dos seus sonhos, o Sonho Febril. 

Marsh não contém o orgulho quando sua embarcação finalmente pronta desliza suave pelas correntezas noturnas do rio Mississipi, as oníricas primeiras semanas de viagem se transformam no seu pior pesadelo ao dar ouvidos aos comentários da tripulação.  Joshua York não colocou limites para os gastos vultuosos da construção, suas poucas exigências acabaram se mostrando estranhas, tanto pela veemência com que foram colocadas como pela própria singularidade das mesmas. York queria dividir o posto de capitão do barco com Marsh, não se envolveria nos assuntos diários da tripulação porém suas ordens deveriam ser acatadas com precisão e sem questionamentos, por mais estranhas que parecessem. 

Seus hábitos noturnos e suas constituição pálida foram responsáveis pelos primeiros sussurros, mas foram as paradas em horários tardios em lugares esquecidos por Deus que assustaram a população. O capitão Marsh, um homem prático e cético, decide confrontar York acerca da gênese desses comentários, o que descobre abala suas crenças e faz crescer dentro de si um horror sem tamanho. O Sonho Febril está prestes a navegar pelas águas turbulentas de uma guerra entre criaturas antigas que deixará uma trilha de sangue e cadáveres pelo caminho. 

Publicado no início da década de 80, Sonho Febril traz muitos elementos dos romances de horror da época, entre eles o cuidadoso desenvolvimento do sobrenatural ao longo das páginas, Martin trabalha como uma precisão cirúrgica na construção da ambientação da narrativa inserindo pequenos cortes na realidade, insinuando um horror que se mostrará completamente apenas na segunda metade da estória.

O leitor moderno não está acostumado com esse tipo de escrita, quando se fala em livros de terror a expectativa é que existam sustos desde a primeira página e que esta deve verter sangue para causar choque inicial, mas a visão de terror daquela época é bastante diferente da atual, por isso poucos livros de terror dos anos setenta e oitenta são republicados, a simples sugestão do horror em uma cena cotidiana é mais assustadora que a construção explícita de um medo que sempre será maior apenas na nossa mente. 

George Martin consegue atingir essa sensação com perfeição, há um contraste gritante quando a inocente narrativa "histórica" é invadida por vampiros e cenas sangrentas, por mais que o leitor esteja preparado para a existência das criaturas no livro quando eles aparecem é um choque. Talvez por isso o livro não seja indicado para qualquer leitor de "início de carreira". Martin utiliza a relação entre vampiros e humanidade para criticar a sociedade escravagista do século XIX, sua narrativa é rica em detalhes e descrições e o resultado final é aterrador e surpreendente. Sonho Febril é uma versão alternativa altamente crível e assustadora para o mito do vampiro.

  Sonho Febril (2015) | Ficha Técnica 
   Título original: Fevre Dream (1982)
   Autor: George R.R. Martin
   Tradutor: Gil Reyes
   Editora: Leya
   Páginas: 352 páginas
   Compre: Amazon
   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)

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5 Comentários

  1. Fiquei animado em ler Sonho Febril depois desta resenha. Ainda quero ler algum livro sobre vampiros que eu goste tanto quanto Salem do King. Mais um para minha lista de compras.

    bomlivro1811.blogspot.com.br

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  2. Estou bem curiosa para ler algo de Martin que envolva mais sobrenatural que os "Outros" e dragões. Quero ver como ele vai se sair com esses seres da noite.

    Infinitos Livros

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  3. Estou lendo!!

    Simplesmente, SENSACIONAL... Recomendo fortemente!

    www.opiniaozona.com.br

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  4. Fiquei curiosa! Não curti A Morte da Luz e então não arrisquei ler outro livro de Martin fora das Crônicas de Gelo e Fogo. Mas sua resenha me animou, o livro parece ser muito bom!
    EntreLinhas Fantásticas

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  5. Estou lendo, é Magnífico! Perfeito! Recomendo fortemente!

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