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Resenha | Alfred Hitchcock Apresenta: Histórias Para Ler com a Porta Trancada



Alfred Hitchcock Apresenta é uma coleção de livros que foram publicados entre os anos sessenta e oitenta no Brasil, o formato apresentava edições temáticas que traziam contos supostamente escolhidos pelo famoso cineasta, variando entre suspense policial, horror e ficção científica. A marca dessa série são os títulos chamativos como Histórias de Além-Túmulo, Histórias para Ler no Cemitério, Histórias para ler com a Porta Trancada, Histórias de Arrepiar e Histórias Macabras. Muitas dessas antologias possuem uma "introdução de Hitchcock", mas o consenso atual entre as fontes é de que o diretor teve envolvimento mínimo com os livros e as tais introduções foram escritas por editores contratados para fazer a seleção das histórias daquele volume. Hitchcock simplesmente licenciou seu nome para uso da editora.

Histórias para ler com a Porta Trancada é a coleção que ao lado de Histórias Para Noites Sem Luar formam a versão nacional de Alfred Hitchcock Presents: Stories for Late at Night, publicado em 1961 pela Random House. As edições brasileiras não só tinham o costume de dividir as histórias das edições americanas, reduzindo os livros à praticamente metade de seu tamanho original, mas também de adicionar histórias de outros volumes para completar o número de páginas, quando necessário. Neste volume foram adicionadas duas histórias publicadas originalmente em Alfred Hitchcock's Murderers' Row de 1975, respectivamente "Venha, Irmão" de Theodore Mathieson e "Jamais se case com uma feiticeira" de C. B. Gilford. Esse é um dos motivos que tornam extremamente difícil se rastrear os contos publicados em cada livro da coleção da Record, pois não é possível se basear apenas nas informações dos sites americanos sobre Alfred Hitchcock, cada edição brasileira é particular e somente com o livro em mãos é possível construir um índice confiável. 

"A Morte é um Sonho" de  Robert Arthur é uma história de suspense que investiga as origens dos medos que dão substância a nossos pesadelos e os pontos de interseção entre os horrores imaginários e a realidade. O protagonista visita um psicólogo para descobrir as causas do pesadelo que está acabando com suas noites de sono, cujo início se deu logo após seu casamento. Ele é colocado sob hipnose, ao lado de sua nova companheira, para revisitar tais sonhos ruins e o que descreve são imagens de violência direcionadas à sua antiga esposa, que morreu um ano atrás. Serão essas visões apenas sonhos ou algo mais? A reviravolta desse conto poderia ser uma novidade refrescante na época de sua publicação, na década de sessenta, mas para o leitor contemporâneo, a premissa está tão entranhada na cultura moderna de horror que não é difícil descobrir a direção da narrativa logo nas primeiras linhas. Apesar de seu tom cartunesco, é uma leitura divertida. (6/10)

"O Fantasma Cavalheiro" de Ruth Chatterton é uma história de fantasmas que carrega em sua ambientação o charme vitoriano dos causos de assombração. O conto é protagonizado pela própria autora, criando uma mistura interessante entre a vida real e a ficção, que além de escritora, também ganhou notoriedade como atriz, atuando em palcos de teatro, filmes da era do cinema mudo e do som e ainda interpretou vários papéis para a televisão. A história se passa durante uma visita à casa de Noel Coward, um ator britânico que chegou a ganhar um Oscar pelo seu trabalho, onde ela descobre que terá que passar a noite em um quarto de hóspedes no primeiro andar. Seu anfitrião age de forma estranha na hora de oferecer o quarto e ela só entende o motivo na escuridão da noite, quando eventos inexplicáveis perturbam seu descanso. A narrativa foca inicialmente na experiência sobrenatural, com boa ambientação descrições arrepiantes, e em um posterior debate sobre a realidade da experiência. Isso pode frustrar quem espera uma abordagem mais clássica de história de fantasmas, pois o conto termina logo que o debate chega a uma conclusão. Meio óbvia até. (7/10)

"A Flor da Noite" de John Collier é uma história fantástica que oferece uma boa discussão sobre invisibilidade social e consumismo predatório. O protagonista é um poeta que cansado da vida em sociedade, decide buscar refúgio no interior de uma gigantesca loja de departamentos, se escondendo durante o dia, e se esgueirando pelos corredores à noite, pegando comida e roupas do estoque das lojas. Sua única preocupação é o vigia noturno, que jamais deve saber de sua existência. Logo ele descobre outras sombras se movimentando pela escuridão, existe toda uma civilização de pessoas que vivem nessas lojas, com sua própria organização social que se espalha por todas as lojas da cidade. Nessa nova vida só existe uma regra: jamais se deve tentar retornar para o mundo exterior ou algo horrível acontece.  A história foi adaptada como um musical para televisão na década de sessenta estrelado por ninguém menos que Anthony Perkins, e faz parte da coleção Fancies and Goodnights que ganhou em 1952 o International Fantasy Award, vencendo clássicos como O Homem Ilustrado de Ray Bradbury. (8/10)

"A Máquina de Som" de Roald Dahl conta a história de um cientista obcecado com a ideia de criar uma máquina que possibilite escutar sons que são inaudíveis ao ouvido humano. Imagine as  maravilhas que tal tecnologia descortinaria para a experiência humana no planeta. Entretanto ao testar sua invenção fica horrorizado, tudo o que consegue ouvir são gritos de sofrimento e agonia vindos do seu entorno. Quando descobre a origem de tais sons chama um médico para servir de testemunha, porém as coisas não saem como esperado. É um conto sombrio e ambíguo, cuja narrativa flerta vertiginosamente entre a realidade e a loucura para discutir metaforicamente a ideia de que somos surdos aos efeitos nocivos que nossas atitudes causam nas vidas ao nosso redor. (9/10)

"As Moedas de Prata" de Brett Halliday é uma história de vingança que une uma boa voz narrativa com um cenário exótico. Um agente de uma companhia de seguros está investigando o desaparecimento de um americano que visitou o Istmo de Tehuantepec, no México, e entrevista o narrador, que aparentemente conhece todos os detalhes do destino desse homem. É uma história de arrogância e desrespeito à cultura local que termina em um sangrento acerto de contas. Uma leitura rápida e divertida, com um mistério cativante. (7/10)

"A Sala Fantástica" de William Hope Hodgson é uma história de assombração protagonizada por um dos seus personagens mais famosos, Carnacki, o detetive do sobrenatural. Nesta aventura Carnacki viaja até o interior da Irlanda, a pedido de um cliente que comprou um castelo antigo, cujos rumores de ser mal assombrado afastam moradores há décadas. Ele está tendo problemas com um quarto específico, de onde todas as noites surge um assobio misterioso, tão sinistro que tira o sossego de todos. O homem imagina que a origem do som são alguns moradores locais, como uma espécie de vingança por ele ter conquistado o coração da jovem mais bonita da vila. A perturbação seria fruto da indignação dos homens da região por um estrangeiro invadir seu espaço, tão seguros de si que apostaram que ele não aguentaria mais de seis meses vivendo no castelo assombrado. Seu desejo é que Carnacki descubra de uma vez por todas a origem desse assobio, será uma vingança dos rejeitados pela moça ou uma manifestação sobrenatural? Essa dualidade temática mantém o suspense durante a leitura, complementada por uma fundamentação de um contexto ocultista que torna a narrativa instigante e divertida. (10/10)

"Será Verdade?" de Cyril Hume é uma história estranha, que na maior parte do tempo não faz  sentido, especialmente porque o narrador deixa claro desde o início que tudo é mentira. A trama se desenvolve entre um trio de personagens e suas obsessões: a de um médico por animais exóticos de estimação, a de sua esposa pela atenção que seu marido despeja somente nos animais, e a do amigo de infância do médico pela esposa. É do encontro de todas essas obsessões que surge uma história confusa e mortal. (4/10)

"A Árvore do Inferno" de M. R. James é a história de uma maldição que atravessa gerações de uma família. Sua narração faz uma grande evocação histórica para contar a estranha sucessão de eventos que permeiam a luxuosa residência de Castringham Hall na Inglaterra. Sua particularidade com relação a outros casarões é dividir terreno com um imenso freixo centenário, fonte de lendas que remontam a época da caça às bruxas. A estranha árvore está associada a condenação de uma mulher por bruxaria, que foi vista à noite usando somente uma fina camisola escalando seus galhos, e seu assassinato, ou execução pública como foi registrada nos anais da paróquia local, deu origem aos estranhos eventos relacionados ao freixo. A atmosfera de medo e suspense criada pela ambientação e estilo narrativo impecáveis do autor fazem deste um dos melhores contos do livro. (10/10) 

"O Homem e o Rato" de Will F. Jenkins é uma história de como a mente humana caminha pelo limítrofe entre sanidade e loucura na apoteose desesperada da luta pela sobrevivência. O protagonista acredita ser o último sobrevivente de um naufrágio e está preso em uma pequena ilha, pouco mais que um pedaço de rocha em mar aberto, com quase nada de comida à disposição. Ele avalia que fazendo um racionamento extremo consegue durar algumas semanas naquela condição, mas logo nos primeiros dias, nota que suas parcas provisões estão desaparecendo muito rápido, embora esteja passando fome a maior parte do tempo. Em meio ao desespero ele faz a horrível descoberta de que mais uma criatura sobreviveu ao naufrágio: um rato. É um conto curto e divertido que explora a clássica premissa homem versus animal com um final inesperado. (8/10)

"A Segunda Noite no Mar" de Frank Belknap Long é uma história lovecraftiana sobre um encontro com uma criatura bizarra em meio ao mar aberto. O protagonista está a bordo de um navio de cruzeiro enfrentado um sério caso de enjoo. Em busca de ar fresco visita o convés no meio da noite e ao se sentar em uma cadeira é cercado por um fedor horrível e visões assustadoras. Alguma coisa nefasta tenta tomar controle dos recônditos mais profundos de seu ser e somente com muito esforço ele consegue se desvencilhar daquilo e voltar para dentro do navio. Lá encontra um comissário que explica o horror que sempre acontece na segunda noite de viagem. Frank Belknap Long era amigo e correspondente de Lovecraft e escreveu diversas histórias ambientadas no universo dos Mythos de Cthulhu, entretanto é pouco conhecido no Brasil, sendo esta talvez sua única tradução oficial publicada, este conto talvez não seja um dos seus melhores, mas é um boa história que explora o medo do desconhecido. (7/10)

"A Mosca" de George Langelaan é uma das grandes pérolas escondidas na coleção, uma história que mistura horror e ficção científica e inspirou adaptações como o clássico dos anos oitenta de David Cronenberg. Na trama o protagonista é acordado no meio da noite pela irmã desesperada, avisando o local onde encontrará o cadáver de seu marido e assumindo a responsabilidade pelo seu assassinato. Ele foi morto por uma máquina que esmagou sua cabeça e um braço. As investigações sobre a motivação do crime não avançam muito, a mulher se nega a fornecer maiores explicações até que finalmente é enclausurada em um sanatório, onde passa seus dias obcecada por capturar moscas e examiná-las com atenção. O verdadeiro horror se descortina quando seu irmão encontra uma confissão por escrito narrando tudo o que aconteceu até culminar na tragédia. O conto é tão bom quanto suas adaptações, a escrita captura a essência do horror de uma transformação corporal e até mais assustador, porque a criatura final não é só produto de uma fusão com átomos da mosca, mas também de um gato. (10/10)

"Venha, Irmão" de Theodore Mathieson é uma história curta que versa sobre o medo de um desconhecido adentrar seu círculo familiar. O jovem protagonista está viajando com seus pais para conhecer a nova esposa do seu tio, que tem fama de não gostar de crianças. Narrado por uma perspectiva infantil, o conto tem um ritmo quase onírico, sua falta de substância é complementada por uma reviravolta final que deixa uma sensação de inquietação que permanece incomodando muito tempo após a leitura. (7/10)

"Jamais se Case com uma Feiticeira" de C. B. Gilford apresenta um protagonista mulherengo que flerta descaradamente com todo tipo de mulher até que é "enfeitiçado" por um casamento. Por um tempo seu comportamento muda, mas logo está se envolvendo com outras mulheres, até que sua esposa descobre e resolver se vingar de uma forma fantástica. Talvez na época de sua publicação essa história fosse lida como engraçada, mas atualmente só é tosca e datada, principalmente pela forma como trata as mulheres. Curiosamente é um dos contos que não faz parte da seleção original, sendo adicionado pelos editores brasileiros para completar o número de páginas e histórias deste volume. Péssimo final, para uma coletânea tão interessante. (1/10)

Histórias para ler com a Porta Trancada se destaca pela maioria dos seus contos fugir da fórmula de suspense policial e mistério, comum na maioria dos volumes da coleção Alfred Hitchcock Apresenta, e adentrar no gênero do horror. Há verdadeiras pérolas em suas páginas, como as histórias de George Langelaan, M. R. James, William Hope Hodgson e Frank Belknap Long, ao mesmo tempo que há histórias genéricas e medianas. Essa montanha-russa de qualidade é outra marca registrada da coleção, a leitura sempre é uma aventura, nunca se sabe o que se encontrará em suas páginas, pode ser algo tão ruim quanto a história de C. B. Gilford ou tão maravilhoso quanto o clássico A Mosca. Mesmo assim minha meta é resenhar cada história de todas edições que eu conseguir colocar as mãos. É divertido escrever e pesquisar sobre esses contos e autores pouco conhecidos. 

   
  Histórias Para Ler com a Porta Trancada (1975) | Ficha Técnica 
   Título original: Stories for Late at Night (1961)
   Autores: Roald Dahl, William Hope Hodgson, George Langelaan et al.
   Tradutor: A. B. Pinheiro de Lemos
   Editora: Record
   Páginas: 220 páginas
   Compre---
   Nota:☠☠☠☠☠☠(8/10 Caveiras)

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2 Comentários

  1. Que bom que voltou, estava ansioso por novas resenhas!

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  2. Olá, meu passatempo predileto é sair à caça de todas as edições, no meu canal Sarau do Santarem estou narrando alguns dos contos.

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