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Resenha | Pavor de Clive Barker (Livros de Sangue, 2)


"Não há prazer que se compare ao pavor. Se pudéssemos nos sentar, invisíveis, entre duas pessoas em qualquer trem, sala de espera ou escritório, a conversa entreouvida giraria invariavelmente em torno desse assunto. Certamente a discussão pareceria referir-se a alguma coisa inteiramente diferente; a situação do país, uma conversa corriqueira sobre mortes nas estradas, o preço crescente dos tratamentos dentários; mas tire as metáforas, as observações indiretas e lá, oculto no coração do discurso, está o pavor. [...] Com a inevitabilidade de uma língua que repetidas vezes inspeciona um dente dolorido, pisamos e repisamos e repisamos nossos medos." 


O trecho acima é a introdução do conto Pavor de Clive Barker, publicado originalmente no segundo volume de Livros de Sangue em 1984, e a imagem é do primeiro rascunho da trama escrita à mão pelo próprio autor no início da década de oitenta. A única edição no Brasil que contém a história é a de Livros de Sangue: Volume 2 publicado pela editora Civilização Brasileira em 1991, com tradução de Fábio Fernandes. Existe ainda uma adaptação em quadrinhos publicada pela Eclipse Comics em 1992, inédita no Brasil, escrita por Fred Burke e ilustrada por Dan Brerton, além de uma adaptação cinematográfica lançada em 2009, chamada por aqui de Lentes do Mal.

Pavor é um pesadelo de horror psicológico surgido nos recônditos mais obscuros da mente de Clive Barker. A história faz uma análise perturbadora sobre o que aconteceria se a emoção primordial humana, a personificação mais brutal do medo, o pavor, pudesse ser induzido de forma experimental a partir de um fator externo, eliminando completamente a capacidade da razão. Verificando assim como dilemas sociais, psicológicos e morais são ressignificados nesses casos extremos onde a natureza humana demonstra grande potencial para progredir para novos estados de consciência ou regredir a uma condição animalesca.  

A sensação de pavor é o momento em que a mente humana, confrontada por algo que a assusta de forma profunda e irracional, se desliga completamente da realidade e tudo o que existe para ela é  a "coisa" que causou essa reação. Mais do que uma simples paralisia ou um calafrio percorrendo a espinha, é um horror primitivo, que surge das profundezas do ser e em menos de um segundo destrói os milhares de anos da evolução humana. O texto também explora o fascínio coletivo pelo macabro, que leva pessoas a procurar situações e formas de entretenimento que despertem medo.

Steve é um jovem universitário que conhece um colega mais velho chamado Quaid. Durante uma altercação filosófica descobre que seu novo amigo possui uma obsessão mórbida pelo medo, especialmente em entender a sua essência, quando este lhe revela um de seus experimentos. Quaid sequestrou uma colega de classe vegetariana e a encarcerou em uma sala que continha apenas um pedaço de carne crua para ela se alimentar. Depois de dias de resistência ela finalmente supera o medo de comer carne para evitar a própria morte, devorando os pedaços já apodrecidos e cheios de vermes. Horrorizado Steve percebe que durante a conversa revelou seu medo de infância, nascido de um traumático período de surdez, e que Quaid o considera o próximo candidato para suas experiências.

Na introdução do conto, apesar de medo e prazer serem opostos, Clive Barker afirma que o medo é o maior deleite que uma pessoa pode experimentar, utilizando esse argumento para discutir sobre como a sociedade é obcecada pelo sofrimento e como se tornou completamente dessensibilizada em um mundo repleto de assassinatos, caos e destruição. Seu texto é angustiante, uma leitura desconfortável que leva às profundezas da mente de Quaid, o intelectual demente que tenta entender seus próprios medos através da morte e do sofrimento de outros. Essa relação de atração e repulsa é bem exemplificada em um final carregado de uma justiça poética que destrói qualquer esperança de que experimentar do horror dos outros garante que esses mesmos horrores não apareçam à nossa porta.

Esse é um dos meus contos favoritos de Clive Barker.

  
Pavor (1991) | Ficha Técnica 
   Título original: Dread (1984)
   Autor: Clive Barker
   Tradutor: Fábio Fernandes
   Editora: Civilização Brasileira
   Páginas: 9-57 pp.
   Compre: ---
   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)

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4 Comentários

  1. Fico aqui me perguntando quando uma editora olhará para essas maravilhas escritas por Clive Barker e as lançará no Brasil.

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  2. Também sofro da mesma angústia, tanta literatura de suspense e horror de ótimo nível, mas nem todas as editoras gostam de reedição. Infelizmente o Clive não é muito popular entre os leitores brasileiros para se fazer esse investimento.

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