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Resenha | Menina Má de William March


A literatura de terror passou por incontáveis mudanças ao longo dos anos, de tempos em tempos é necessário que o gênero se reinvente para acompanhar as mudanças sociais, a noção do que é assustador e do "medo" se altera entre as gerações e em meados da década de 50, as assombrações que vieram no esteio da virada do século XX, já não eram mais tão temerosas. 

O mundo havia passado por duas grandes guerras mundiais e as cicatrizes dos horrores vividos ainda ardiam dolorosamente, a ascensão dos primeiros casos explorados pela mídia de assassinatos em série e a percepção da ilimitada maldade humana criaram um novo tipo de monstro. Uma criatura que não se escondia na escuridão sobrenatural da noite, mas sim, no sorriso estranho de um vizinho, no interesse insistente de um colega de trabalho ou na solidão de um filho precocemente inteligente. 

Nessa época obras como Psicose de Robert Bloch e Vingança Diabólica de Stephen Gilbert exploraram o lado doentio humano, mas nenhuma delas foi tão fundo como William March em A Menina Má. The Bad Seed foi publicado originalmente em 1954, no mesmo ano em que Richard Matheson revolucionava as histórias de vampiros com Eu Sou a Lenda, e foi recebido com furor pela comunidade literária, muitos o consideraram um suspense aterrorizante, enquanto outros criticaram a morbidez e violência da história. 

Mas nada disso impediu o livro de se tornar um sucesso de vendas, ocasionando uma rentável e popular adaptação teatral, e posteriormente uma cinematográfica. William March constrói sua trama por meio da exploração do horror de uma mãe, ao descobrir o lado assassino de sua filha, seu êxito está na forma como coloca a criança protagonista através dos olhos da mãe, cada percepção de uma faceta maligna de sua personalidade é um prego cirurgicamente atravessado no coração materno. 

A questão central do livro é a gênese da maldade. Será que todos nascemos com a semente do mal dentro de nós e é o ambiente de criação que a faz florescer? Ou há um gene maldito que nos condiciona a praticar atos violentos desde a tenra infância? O autor insere essas dúvidas com perfeição na mente do leitor e ao longo das páginas disseca cada hipótese mergulhando no turbilhão de loucura e deterioração mental da mãe, confrontada por um dilema mortal, o instinto protetor para com sua filha e o dever moral perante a sociedade, os segredos sangrentos de sua vida particular aos poucos transbordam por entre a ilusão de felicidade erguida pela sociedade. 

A narrativa de William March é carregada do senso moral da época em que o livro foi escrito, diálogos que atualmente denotariam uma inocência infundada são realistas para aquele momento da história, porém sua principal característica, chocar o leitor perante os atos de uma psicopata infantil, permanece inalterada. O texto é leve e ágil, a construção do suspense ao longo da história é claustrofóbica, os desfechos prováveis vão sendo cada vez mais apertados até sobrar apenas uma conclusão esmagadora.

A tradução conseguiu aliar a sensação de uma narrativa da época com um ritmo moderno e viciante, uma vez iniciada a leitura é impossível ter paz de espírito até saber o final, e uma vez chegando lá você aprende que nunca mais conseguirá encarar uma criança com os mesmos olhos novamente. 

  Menina Má (2016) | Ficha Técnica 
   Título original: The Bad Seed (1954)
   Autor: William March
   Tradutor: Leandro Durazzo
   Editora: Darkside 
   Páginas: 324 páginas
   Compre: Amazon
   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠ (10/10 Caveiras)

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4 Comentários

  1. Como sempre, vc vai direto ao ponto. <3 Adorei a resenha, parabéns, Rafa. :)

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  2. Eu queria ler esse livro pois adoro a darkside e tenho uma mini coleção de livros da editora, mas confesso que tenho "medo" de ler sobre crianças psicopatas...isso é muito profundo, uma criança é para ser inocente, né?
    parabéns pela resenha super clara e direta

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  3. Já queria, AGORA QUERO MUITO!! Melhor resenha que li desse livro até agora :D

    ourbravenewblog.weebly.com

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  4. .... Leio muito suspense, policial, terror e às vezes algum romance que não seja exatamente aquele chororô. Para mim é crucial uma coisa, visto que leio muito rápido e assimilo tudo bem depressa > livro para mim tem de ter página, quando me interesso por algo, leio comentários, resenhas, críticas, até acho legal, acabo desistindo quando vejo por exemplo que tem umas 272/290 páginas. Na minha modesta concepção de livro interessante para ler eu creio que o negócio tem de ter umas 398, 420, para lá. Isso prova, para mim pelo menos, que o autor se deu ao trabalho de cozinhar a massinha cinzenta do cérebro dele, que pesquisou, que correu atrás de dados, que coletou isso e coletou aquilo. Livro que eu posso ler em 2 dias, umas 280 folhas, não vejo graça, mesmo que digam que é ótimo, coisa e tal. Num instante, lendo algo assim sucinto, já matei toda a narrativa, já descobri todos os meandros e por tabela já perdeu a graça para mim.

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