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Resenha | Continuem nos Escutando: uma antologia dos Ceifadores da ABERST


Continuem nos Escutando é uma antologia de terror escrita pelos associados da ABERST, a Associação Brasileira dos Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror, em comemoração ao seu primeiro ano de existência. Para compor a obra os autores foram convidados a caminhar pelo vale da sombra da morte, em posse de um pequeno gravador de rolo, cuja idade é suplantada por sua  capacidade de gravar a voz dos mortos, e coletar os relatos mais assustadores e arrepiantes que encontrarem. 

Em meio a gritos de horror e desespero de almas perdidas nasce uma robusta e interessante coleção de histórias de fantasmas, vingança e assassinatos. A variedade de autores em seus diferentes estilos e gêneros oferece ao leitor um banquete farto, liquefazendo as barreiras entre policial, suspense e terror. A estrutura da antologia é similar a dos Livros de Sangue de Clive Barker, com um prólogo e epílogo que unem e amarram todas as tramas no mesmo universo, ambos escritos por Cláudia Lemes. 

A história começa imersa em uma claustrofóbica sala de interrogatório, onde um detetive particular tem uma altercação com um agente da CIA sobre o mistério por trás dos estranhos eventos que levaram os dois até aquele encontro, todos eles associados a um estranho gravador.  Qualquer que seja a resposta ela está em meio aos lamentos e incriminações das vozes capturadas nas gravações e a única maneira de obtê-la, é também a mais perigosa, apertando o play e ouvindo o que elas têm a dizer...

Em “A Voz de Um Morto” de Duda Falcão um acadêmico especializado em linguística encontra nas manifestações das vozes dos mortos uma obsessão que devora pouco a pouco sua sanidade. Um conto pequeno e rápido que serve como uma introdução à mitologia ao redor do gravador, sua narração melancólica e intimista convida o leitor a adentrar esse universo de horror e desespero. 

Em "A Voz de um Crime" de Tito Prates, uma policial de origem brasileira, que trabalha em uma delegacia da Inglaterra, precisa enfrentar não apenas ladrões e assassinos em seu dia-a-dia, mas também o preconceito e xenofobia de seus superiores. Um caso em especial mudará para sempre a forma como vê seus colegas. O destaque nessa história é para sua ambientação, cuidadosa pesquisa e amplo conhecimento transportam o leitor para o território inglês com uma verossimilhança reforçada pela protagonista brasileira,  o toque de mestre está na construção e condução do clima de mistério.

Em "Uma Sombra no Teto" de Rodrigo Ortiz Vinholo o medo pulsa com vida própria através do horror da paralisia do sono. O protagonista encontra seu inferno particular todas as noites, quando uma criatura surge no teto de seu quarto e o encara com seus olhos brancos. A experiência ganha ares de tortura quando seu corpo não responde a nenhum estímulo, impossibilitado até mesmo de dar vazão ao horror gritando ele é um refém silencioso daquela visão. Vinholo é uma das grandes revelações do gênero em 2018, uma nova e refrescante voz com enorme talento e qualidade em suas incursões à narrativas de horror. 

Em "Não Aperte o Play" de Lisa Hallowey, uma mulher acorda em um misterioso quarto sem memória de como chegou lá, sua última lembrança é a de se ser atacada com uma pancada na cabeça. O quarto está vazio a não ser por um gravador com uma etiqueta que aconselha a não apertar o play, mas a curiosidade será o início de sua sombria queda. Um conto curto e eficiente, a autora adiciona uma camada a mais de mistério ao sugerir a existência de uma força maior por trás do gravador e sua capacidade de dar voz aos mortos, o final arrepiante é o melhor argumento para a antologia também ser lançada em audiobook. 

É inevitável não ler a introdução de “Vozes Desesperadas” de Marcelo Augusto Galvão com a voz de Rod Serling em mente, mas dessa vez nossa história além da imaginação tem arrepiantes toques de horror cósmico. Quando uma sobrinha decide revirar os pertences de seu falecido tio descobre que aquela fachada de bibliotecário calmo escondia segredos sombrios, ao tocar o gravador que encontra escondido em meio a livros de idiomas incompreensíveis ela selará sua danação. Com uma escrita ágil e envolvente o autor cria um clima de tensão e mistério reinante desde as primeiras linhas, a narrativa passa do banal ao fantástico de um modo tão bem orquestrado que é impossível ver essa mudança ao longo da leitura e o resultado é um final deliciosamente chocante. 

Em “Vozes do Tempo” de Meg Mendes os estudantes de uma escola são instigados a participar de uma curiosa atividade extraclasse: fazer relatório sobre um dos objetos da cápsula do tempo enterrada décadas atrás por antigos alunos. Um gravador antigo é o que mais chama atenção do protagonista, que ao apertar o play mudará para sempre sua vida. Esta é a primeira história onde há uma interação direta entre os espíritos do gravador com um protagonista sem a própria mediação do objeto, embora seu uso seja importante no desenrolar da trama, não fica bem explicado o motivo das vozes poderem fazer essa conexão sem a necessidade do gravador. Despindo as adições temáticas é uma história com a premissa clássica de objeto amaldiçoado que não busca sair dos moldes do gênero e por isso acaba tendo um final bastante previsível. 

“Assombração Particular” de Everaldo Rodrigues é a primeira história em que o gravador não está presente fisicamente, mas é uma referência onisciente graças a uma eficiente construção narrativa. O conto se inicia com a morte da protagonista por atropelamento, um descuido tanto do motorista como do pedestre e uma vida é ceifada em um piscar de olhos. Temos então o relato das impressões fantasmagóricas da recém falecida, o autor explora bem a mudança de percepção da personagem e sua transformação em um espírito vingativo. Uma arrepiante história de fantasmas. 

Em “Mendigando Corpos” de Clóvis Nicacio o protagonista acorda sentindo uma espécie de formigamento em sua nuca e logo se vê flutuando acima de seu corpo, imerso em desespero, enquanto alguém assume controle de sua antiga moradia carnal. A trama o acompanha em busca respostas a essa situação fantástica. Nicacio constrói uma poética história de fantasmas, o homem que perdeu tudo em sua vida, perde a única coisa que lhe sobrou, seu corpo e sua identidade.

“Espectro” de Danilo Morales mostra que uma pessoa não precisa morrer fisicamente para se tornar um fantasma de si próprio, a lenta deterioração emocional advinda da depressão é menos perceptível que o apodrecimento de um cadáver, mas muito mais assustadora e cruel. Morales apresenta uma história de fantasmas cheia de camadas, mais do que sustos e tensão sua narrativa é recheada de emoção e abraça o tema de forma sensível e interessante.

 “Os Lamentos Dos Que Morreram Antes” de Hedjan C.S. é uma história de amor e morte, entre tomos empeirados do De Vermis Mysteriis e beijos apaixonados floresce um segredo mortal. Um coração que pulsa por paixão e outro pela excitação da sede de sangue se encontrarão sob a luz da lua, onde o lamento dos mortos será ouvido mais uma vez. Com ótimas referências  o conto evoca o clima de suspense e tensão das lendas urbanas e apesar de ser curto é efetivo em sua proposta. 

Em Madalena de Paula Febbe um diálogo entre um psiquiatra e seu paciente ressuscita antigos fantasmas e termina em uma grande tragédia. Narrativa visceral e instigante, sua construção prima pelo mistério e o consequente choque nas últimas linhas. Este é o tipo de história que quanto menos se souber, quando se embarcar na leitura, melhor. 

“O Caso do Fosso” de Christiane Krumenauer não tem nenhuma conexão com o sobrenatural, o gravador é uma prova importante no desaparecimento de uma menina e a policial responsável pelo caso irá mergulhar nas profundezas desse mistério para resolvê-lo. Com uma narrativa em primeira que ecoa um clima noir, Krumenauer conquista o leitor ao apresentar uma protagonista interessante com sua escrita ágil e bem desenvolvida. 

“Rato” de Marciele Goetzke intercala sua narrativa entre dois momentos distintos: a sala de uma delegacia, onde um grupo de policiais ouve pela centésima vez uma misteriosa fita relacionada a um caso de desaparecimento; e o próprio conteúdo da gravação, onde um grupo de jovens adentra os esgotos da cidade em busca do local onde um assassino em série cometia seus crimes. A história funciona bem em partes, principalmente a narração dos eventos gravados em fita, mas a conclusão falha em entregar o clímax que sua construção sugere. Por mais que haja uma tentativa de criar um final aberto, há poucos elementos que respondam de maneira eficiente o "motivo" da trama. A impressão que fica após a leitura é de incompletude. 

“Pontes de Concreto” de Paula Bajer se utiliza de metáforas para construir um ótimo texto sobre assombrações pessoais. O protagonista é um engenheiro, que adora as grandes estruturas de concreto do título, mas que descobre uma ponte mais sólida nas incorpóreas lembranças e vozes aprisionadas em um gravador, encontrado em meio aos pertences de seu falecido pai. A abordagem realista da autora reveste a premissa comum no gênero com um toque extremamente interessante. 

“Miasma Em Flor de Lapela” de Deco Farnesi disseca uma intrincada e estranha relação familiar em uma narrativa que adquire tons oníricos conforme um personagem misterioso entra na equação. O modo como a história foi narrada é confuso, as rápidas mudanças na ambientação e a quase inexistente contextualização do que realmente está acontecendo fazem o leitor avançar de forma apática no texto, partindo de protagonistas desinteressantes até uma sangrenta conclusão, que ao invés de chocar é recebida com indiferença. 

“Bárbara” de Amanda Reznor apresenta uma protagonista sofrida em busca da felicidade, que em sua inocência e simplicidade encontra alento no misticismo de rituais de prosperidade e amor. Ela descobrirá da pior maneira que em um mundo masculino e cruel, a felicidade de uma mulher é um artigo de difícil obtenção. Em poucas linhas a autora delineia a personalidade de sua personagem com propriedade e profundidade, é difícil não ser arrebatado pelo turbilhão de emoções que a impulsionam durante a história e ter o coração partido com seu trágico final. 

 “Culpado” de Jaques Rodrigo Valadares traz um sufocante relato em primeira pessoa de um assassino dissecando os motivos por trás de suas ações. Em uma narrativa carregada de emoções o autor apresenta uma história envolvente e bem construída de vingança com uma reviravolta genial no final.

No claustrofóbico “O Machado da Casa de Pedra” de Larissa Brasil, a violência física e psicológica se misturam em uma narrativa onírica que discute o preconceito de gênero. Quebrando os estereótipos de caçador e caça, a autora oferece uma boa história de terror, colorida com o vermelho sangrento de vísceras e adoçada com ácidas críticas sociais. 

“Excluída” de Renata Maggessi é um sangrento "conto de fadas" e mostra que personagens que tem uma infância sofrida e que por um capricho do destino encontram o amor de sua vida não vivem felizes para sempre na vida real. Quando a protagonista imagina ter encontrado seu final feliz, uma tragédia retira a fonte de sua felicidade, imersa em dor ela não medirá esforços para alcançar sua vingança. Bem escrito e envolvente o conto se destaca por sua verossimilhança, quantas histórias de amor não foram brutalmente assassinadas de forma similar? 

“Cuidado! Ele Quer Matar...” de Ge Benjamin explora a premissa "clássica" do protagonista cético que invade um local abandonado, nesse caso um hospital psiquiátrico, para ilustrar sua opinião de que todos os relatos de aparições e visões que o local ostenta são falsos. É um conto bem escrito e que possui a dosagem certa de suspense, mas perde sua força ao ficar preso nos moldes da premissa. Dezenas de livros e filmes já exploraram esse tipo de história, de modo que para surpreender e fisgar a atenção do leitor é necessário ir além do básico, senão a sensação de estar lendo a mesma história que você já viu em outros lugares, reescrita para se encaixar no tema, acaba canibalizando qualquer outra qualidade que a narrativa venha a possuir. 

“Obrigado” de Paulo G. Marinho se utiliza de uma narração fantasmagórica em forma de gravação para criar um delicioso clima de suspense durante a leitura, como se o próprio leitor estivesse apertando o play do gravador e ouvindo seu relato. Na trama a protagonista irá até os limites do sobrenatural para conseguir aquilo que mais deseja: ser mãe. Este é um ótimo exemplo de um tema comum dentro da literatura de terror explorado com personalidade e eficiência, a ambientação associada com uma escrita de qualidade dão o tom arrepiante que faz o texto funcionar. 

“Viking, o Rottweiler” de Fabiano Soares se baseia no abismo existente entre as classes sociais e no próprio preconceito advindo dessa constatação, não apenas do patrão que trata seus funcionários como escravos, mas do próprio empregado que se vê e se aceita em um papel inferior (e que muitas vezes é obrigado a isso) para construir uma sútil história de vingança com um toque de brasilidade. O resultado é fantástico.

 Continuem nos Escutando (2018) | Ficha Técnica 
   Autores: Associados ABERST
   Organização: Cláudia Lemes, Vitor Abdala e Tito Prates
   Editora: ABERST
   Páginas: 151
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   Nota: ☠☠☠☠☠☠☠☠☠☠ (8/10 Caveiras)

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