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Entrevista com Anders de La Motte, autor da Trilogia The Game


Anders de La Motte faz parte da nova geração de autores suecos que estão se destacando mundialmente no campo da literatura mundial, seu reconhecimento veio através da trilogia The Game, publicada no Brasil pela Darkside Books. O autor  gentilmente concedeu uma entrevista ao Biblioteca do Terror, falando sobre sobre sua experiência como consultor de segurança virtual, sobre seus livros, inspirações, vida pessoal e o sucesso  da literatura sueca. Confira!

BdT: Primeiro gostaria de agradecer pela entrevista e pela oportunidade aos leitores de  conhecer mais a série The Game. Quero começar fazendo a pergunta que todo o leitor faz a si próprio quando lê a sinopse do livro pela primeira vez: Se você encontrasse um celular e recebesse mensagens te convidando a participar de um misterioso jogo com missões reais, aceitaria? 

AdLM: Eu gosto de pensar que aceitaria, mas como Rebecca sou um tipo de pessoa muito controladora para assumir tal risco. É por isso que inventei HP. Deixo ele assumir todos os riscos para mim :)

BdT:  Você já foi oficial de polícia e diretor de segurança de uma das maiores companhias de TI do planeta. Como foi que acabou se envolvendo com a literatura e se tornando escritor?

AdLM: Desde pequeno sempre tive muito interesse em literatura. Minha mãe era bibliotecária e graças a isso sempre tive muito acesso a livros,   nasci em 1971 e cresci em uma zona rural onde, diferente de hoje, não havia internet ou televisão para competir com a leitura. Quando comecei a trabalhar como gerente de segurança para a região EMEA (Europa, Oriente Médio e África) tinha um monte de tempo livre, entre viagens e hotéis, e aproveitava para ler. A ideia de escrever algo de minha autoria sempre esteve na minha mente,  mas nunca criei coragem até minha esposa me incentivar (ou me empurrar) a começar escrever. Na verdade o "começar" é o maior obstáculo para aspirantes a escritores. The Game foi meu terceiro livro, aceito por uma editora em 2009 e publicado um ano depois na Suécia, que acabou ganhando o prêmio de "melhor primeiro livro" pela Academia Sueca de Escritores de Crime.

BdT: A narrativa de O Jogo é bastante ágil e recheada de referências à cultura pop. Quais são os autores, filmes e séries que influenciaram em sua escrita?

AdLM: Haha, sim, eu passei a maior parte da adolescência e vida adulta assistindo a todos os filmes e séries de TV que não tive acesso, e ainda não existiam, quando era criança e consegui em The Game dar bom uso a todo esse conhecimento "inútil" que adquiri. Você pode encontrar nos livros referências a Lewis Carol, Douglas Coupland e Douglas Adams, a séries como Os Simpsons, Lost, Nigth Rider e Mcgyver e sem falar em filmes como a trilogia Matrix, Trocando as Bolas, Forrest Gump, Intriga Internacional e muito, muito mais. 

Há também uma referência bastante subjetiva ao filme The Game de David Fincher. Veja se consegue encontrá-la! Basicamente não tenho uma influência particular, minha escrita é uma mistura de livros, TV e filmes. 

BdT: De onde  surgiu a inspiração para o Jogo? Desde o início você planejava uma trilogia ou a estória tomou um rumo diferente do que você imaginava? 

AdLM: Eu já havia tentado escrever um thriller policial "normal" antes, mas percebi que se eu queria ser publicado tinha que fazer algo diferente: ou uma história tradicional contada de uma nova maneira, ou uma nova história contada da forma tradicional. Então surgiu HP, um anti-herói preguiçoso, egocêntrico e meio megalomaníaco que (como eu) ama a cultura pop. Um policial, advogado ou jornalista são ótimos protagonistas, uma vez que normalmente se envolvem na trama através de seu trabalho, porém meu problema era que eu não conseguia fazer HP sair do sofá. 

Ele era feliz jogando videogames e fumando baseado. Então acabei inventando um jogo no qual ele poderia obter a atenção e o reconhecimento que tanto ansiava, e uma vez que isso é a recompensa, ele voou para fora do sofá.  Rebecca veio mais tarde, como uma forma de equilibrar a história, a linguagem de HP e manter minha mente sã :) 

Do modo que as coisas aconteceram acabei escrevendo uma nova estória de um novo jeito para o primeiro volume de The Game, foi uma espécie de experimento. Eu não sabia se os leitores gostariam dos personagens, do enredo e da linguagem, já que era bem diferente do usual.  Depois que eu vi a recepção decidi escrever, um segundo e terceiro volumes e o livro se tornou uma trilogia.

BdT: Um dos pontos altos do livro é a maneira como você empregou seus conhecimentos em segurança da internet para dar verossimilhança à narrativa, de fato há uma crítica interessante sobre o vício moderno em redes sociais e no compartilhamento indiscriminado de informações pessoais. O Jogo se baseia na visão de que há pessoas por trás dessas redes que tem acesso completo a essas informações, através de sua experiência até que ponto isso é uma realidade?

AdLM: Você não precisa voltar muito no tempo para responder a essa questão. Basta considerar que foi apenas há  20 anos que a Stasi, a organização de segurança da Alemanha Oriental foi dissolvida, sua ideia de funcionamento era simples, metade da população espionava a outra metade da população, tomando notas de coisas, à primeira vista sem importância, como o tipo de música que seu vizinho ouvia, os filmes que assistia, os livros que lia e quem eram suas amizades. A Stasi empregou milhares de pessoas para classificar e catalogar essas informações em um arquivo gigantesco. Isso foi considerado um dos piores tipos de opressão governamental. 

Hoje em dia as pessoas de todo o mundo oferecem essas informações de bom grado, e o que é pior a empresas multinacionais como Facebook, Twitter, Instagram, entre outros. E o único tipo de reembolso que conseguem é o mesmo motivador de HP no Jogo - atenção, validação e reconhecimento. Nossos padrões de internet e preferências nada mais são que uma mercadoria. Esse é o preço a se pagar por serviços livres como o Facebook e o Google. Quando eu escrevi os livros eu exagerei em um monte de coisas para tornar o enredo emocionante, mas para a minha surpresa de lá para cá a realidade está conseguindo superar a minha imaginação.  

BdT: No Brasil os romances suecos, em sua grande maioria os de mistério e suspense policial, fazem grande sucesso entre os leitores, mesmo se passando em cenários "gelados" tão diferentes do nosso verão tropical.  A que você credita esse sucesso de um produto tão diferente da nossa realidade?

AdLM: Sim, parece que os livros suecos e escandinavos estão fazendo sucesso ao redor do mundo. Talvez isso se deva ao fato de que somos países pequenos ao norte, onde metade do ano é inverno e a outra metade quase não tem noite alguma, isso nos torna um lugar bastante exótico. Também tem a questão de que os países escandinavos são considerados bastante avançados, democráticos e seguros. Agora se você combinar isso com um crime e um assassinato começa uma dinâmica muito interessante, que parece conquistar os leitores. 

Tivemos alguns grandes sucessos mundiais de larga escala como Stieg  Larsson e Jo Nesbø, que abriram caminho e aumentaram o interesse pela literatura escandinava. Um monte de escritores escandinavos, incluindo os que acabei de mencionar, provavelmente leram e assistiram a tantos filmes e séries que isso se refletiu em suas narrativas, apelando para os gostos dos leitores. Fora isso também há aquela competição amigável que nos obriga a tentar ser melhor que nossos pares.

BdT: Muitos consideram O jogo  um thriller tecnológico, o que você acha do rótulo? Acredita que a exploração do tema seja uma tendência para o gênero policial?

AdLM:  Eu já ouvi esse termo sendo usado sobre O Jogo, mas concordo em partes. Você não precisa ser tecnologicamente experiente para ler e compreender os livros. Se você sabe usar o Facebook, sabe como enviar um e-mail e tem usado o Google regulamente, então está ok. Os livros são mais sobre como as pessoas reagem a uma enorme carga de informação e em como isso os afeta, do que a própria tecnologia. Estou mais interessado na interação e reação dos usuários do que nos aparelhos que eles usam. 

Gostando ou não, a menos que sua estória se passe nos anos oitenta ou mais cedo, a tecnologia mudou para sempre a maneira como nós escrevemos ficção policial. Smartphones e GPS fizeram muitas cenas dramáticas se tornarem obsoletas. Por exemplo: "Eu não consigo falar com meu parceiro então tenho que sair sozinho para perseguir o assassino." ou "Eu não tinha ideia que havia uma casa abandonada no meio desta floresta, deve ser o esconderijo perfeito para um assassino." Deste modo você tem que saber construir/planejar  suas cenas com cuidado, não podem ser apresentados mistérios que podem ser resolvidos com uma pesquisa rápida na internet. 

Você não pode recorrer sempre ao "fora de área/ sem bateria"... O problema de qualquer livro ou filme que se baseia em tecnologia, é que a mesma se torna obsoleta muito rapidamente e isto faz com que a obra fique datada, a menos que você seja muito cuidadoso. Por isso tentei não mencionar nomes de marcas, modelos de computador e capacidade, uma vez que estas são as primeiras coisas a mudar. 

BdT: Existe alguma previsão para algum tipo de adaptação? O que os leitores podem esperar dos próximos livros da série?

AdLM: Sim, uma grande empresa de produção cinematográfica está em fase de planejamento para uma série de televisão americana baseada nos livros. Não preciso nem dizer o quão animado estou com isso. Bom, o próximo livro, Ruído vai girar em torno de uma empresa misteriosa chamada ArgosEye, que faz de tudo para manter o nome/marca de seus clientes limpos e impecáveis. Até mesmo esconder assassinatos. Um dos protagonistas vai acabar indo trabalhar para eles, e  pior, vai gostar...


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3 Comentários

  1. SENSACIONAL, ótima entrevista, Rafa :)))
    Gostei muito do livro, espero que mais pessoas descubram os livros do Anders.
    Beijão!

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  2. Super bacana! O autor aborda o gênero como algo dinâmico e apresenta uma perspectiva inovadora ao elaborar, soberbamente, um thriller tecnológico. Parabéns a Anders pelos lançamentos - que sejam bem recebidos in terra brazilis! - e parabéns pela entrevista, Rafa! Biblioteca do Terror sempre!

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  3. Parabéns pela entrevista e blog:já virou um de meus favoritos! Graças a indicação daqui comprei 6 livros na estante virtual (vingança diabólica, vírus, coma, a praga, quarentena etc).

    Continue, att

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